A percepção de que os cientistas sociais evitam considerar a biologia em seus estudos não é nova[1][2] e nem incomum,[3][4][5][6] e a afirmação de que eles fazem isso por motivações políticas já foi defendida por vários pesquisadores.[7][8][9][10][11] Em meio a essa discussão, uma tese se destaca. Trata-se do trabalho do psicólogo Steven Pinker em “Tabula Rasa: A Negação Contemporânea da Natureza Humana”,[12] uma crítica sistemática ao comportamento dos sociólogos.
Pinker resgatou a história da filosofia e da ciência no tema, abrangendo desde a sociologia clássica às “guerras” travadas entre defensores e opositores da sociobiologia humana na segunda metade do século passado[13] – época da publicação de “Sociobiology: The New Synthesis”, em que o biólogo Edward O. Wilson dedicou um capítulo exclusivo para tratar do comportamento humano.
A noção, conhecida como biofobia, surgiu com a alegação de que os sociólogos e outros pesquisadores “de humanas”, ao adotarem a teoria da “tábula rasa” – que supõe que o comportamento humano é regido somente pela história e pela sociedade – negligenciam o fato de que a espécie humana, como qualquer outra espécie, possui padrões comportamentais que também podem ser compreendidos através da teoria da evolução.
Para Pinker e outros críticos, os cientistas sociais têm esse comportamento porquê temem que, se aceitarem que humanos possuem instintos para a guerra tanto quanto possuem instintos para a paz, para o egoísmo tanto quanto para a cooperação, para a violência tanto quanto para a convivência pacífica, então tenham que aceitar também que o status quo seja imutável.
Mas Pinker se defende e mostra que isso é uma confusão conceitual (pp. 204-206). Mesmo se tivermos que aceitar que a guerra, o estupro, o homicídio e tantas outras infelicidades humanas tenham componentes biológicos que refletem parcialmente o padrão de comportamento primata (e têm[14][15]), isso não quer dizer que a luta por uma sociedade melhor seja desnecessária ou que a melhora do mundo seja impossível. Contrariando as expectativas, o próprio Pinker, um grande defensor da área da psicologia evolucionista, tem dois livros em que argumenta que o mundo está melhorando.[16][17]
Contudo, dado que alegação de biofobia defendida por Pinker e outros é empírica, ela pode ser testada empiricamente. Um trio de pesquisadores fez exatamente isso[18] disponibilizando um questionário de 11 perguntas a 155 sociólogos. Os sociólogos foram solicitados a reportar suas identidades políticas (conservador, moderado, progressista ou radical, com esse último significando algo próximo de “extrema esquerda”) e assinalar se achavam conclusões típicas da biologia comportamental humana plausíveis ou implausíveis.
Os itens incluíam alegações de que seres humanos (1) evoluíram uma tendência a preferir alimentos de alto teor calórico, que (2) o medo tão facilmente desenvolvido de aranhas e cobras reside em uma resposta inata de aversão a predadores, que (3) a percepção da beleza física está correlacionada à capacidade reprodutiva, que (4) o ciúme tem uma função biológica, que (5) homens são naturalmente mais inclinados à poligamia e (6) cometem mais crimes do que as mulheres por motivações naturais, além de (7) consumirem mais pornografia e (8) tentarem controlar a sexualidade feminina devido a benefícios evolutivos do comportamento sexual promíscuo e de posse.
Os resultados foram chocantes, mas não imprevisíveis. A aceitação de cada um dos pontos refletiu sua sensibilidade política. Por exemplo, no ponto 1, um assunto pouco polêmico, a aceitação por parte dos sociólogos foi de 59%; já no ponto 8, um assunto muito polêmico, a aceitação foi de 22%. Ou seja, a receptividade às explicações biológicas caiu conforme o aumento da sensibilidade política.
Os outros três pontos incluíam afirmações sobre (9) algumas pessoas terem, geneticamente, um potencial de inteligência maior do que outras, que (10) a sexualidade possui bases biológicas e (11) que, graças a possuírem cérebros diferentes, homens e mulheres diferem em suas capacidades cognitivas. A aceitação foi de, respectivamente, 81%, 70% e 42%. Apesar da surpreendente aceitação dos pontos 9 e 10 ir contra a hipótese de biofobia, talvez haja uma explicação ainda mais simples: já que para a direita conservadora a homossexualidade não é natural, mas um pecado, faz sentido, na cabeça de um cientista social, defender que a orientação sexual tenha bases biológicas.
Tirando que somente cerca de 29% dos 543 convidados aceitou participar da pesquisa (com uma parcela tendo inclusive se recusado de maneira pejorativa, o que, segundo os autores, pode ser um indicativo a aversão à biologia seja maior), algumas coisas ficaram mais claras com os resultados. Contrariando a psicologia da personalidade,[19] que costuma sugerir que progressistas e pessoas mais à esquerda exibem mais abertura à experiência e menos dogmatismo em revisar as próprias opiniões, as evidências mostraram que o fator que melhor prevê a negação da biologia é a identidade política. Ou seja, aqueles mais progressistas e radicais (cerca de 131 dentre 155 sociólogos), incluindo os que se identificaram com perspectivas feministas, foram os mais inclinados a rejeitar explicações biológicas.
Os autores concluíram que o apego à teoria da tábula rasa pode ser parte do próprio paradigma sociológico. Como as ciências sociais têm seu foco único e exclusivo aos processos sociológicos, isso acaba somado ao fervor à disciplina exibido pelos pesquisadores da área – algo que aparenta decorrer de um sentimento de identidade de grupo. O artigo finaliza mencionando que “a rejeição da sociobiologia pelos sociólogos parece refletir mais do que uma simples discordância intelectual […]. Isto é, muitos sociólogos podem [acabar por] rejeitar a biologia evolutiva não pela plausibilidade das explicações biológicas, mas pela ameaça coletiva que eles sentem que tais explicações representam”.
Na psicologia política, parece haver um tipo de viés cognitivo que prevalece nos dois lados do espectro político, esquerda e direita, onde os fatos são considerados como tal somente quando confirmam a ideologia do grupo – ou, pelo menos, quando não a contradizem. Por exemplo, com frequência, a direita conservadora tem buscado argumentos baseados na evolução para criticar a esquerda.[20][21] Da mesma forma, a esquerda rotula (com razão) o criacionismo bíblico e a “teoria do design inteligente”, crenças comuns na direita, como pseudociências, destacando que compartilhamos uma origem comum com outras espécies devido à seleção natural.

Idealizador da E&S, é graduando em Ciências Biológicas (IB/UFRJ), bolsista PIBIC em Taxonomia e Sistemática (LabEnt/UFRJ), filiado ao grupo de pesquisa Evolução, Moralidade e Política (CNPq/UFRRJ) e apaixonado pela abrangência da teoria evolutiva.
Gostou do conteúdo?
Nossa organização depende do retorno do público. Sua ajuda, portanto, seria muito bem vinda. Para colaborar, clique no coração!
Luiz Matias
Entendo que o pós-estruturalismo busca negar completamente a biologia ou etologia humana. Porém, como explicar tamanha diversidade de estruturas e organizações sociais presentes entre os humanos a partir de premissas tão rígidas e fixadas da etologia? Essas características sócio-biológicas são impositivas ou demonstram tendências, que podem ser maiores ou menores de acordo com o indivíduo e a organização social da qual participa? Como explicar tribos amazônicas que chegam a sacrificar alguns da própria espécie, quando este quebra regras de organização social ao matar um animal fêmea que amamenta, por exemplo? Como explicar toda a culinária japonesa ou indiana a partir da nossa predisposição a buscar alimentos de alto teor calórico? Até que ponto realmente estamos atados à nossa estrutura biológica? Até que ponto o social pode sobrepô-la?