Exatamente 30 anos atrás, eu estava refletindo sobre um gráfico que comparava o tamanho dos grupos de primatas com o tamanho de seus cérebros: quanto maior o cérebro, maior o tamanho do grupo. Eu estava curioso para saber qual seria o tamanho do grupo predito para humanos. 

O número revelado pelos meus cálculos foi 150. Como isso parecia baixo, corri para a biblioteca para procurar dados sobre o tamanho natural dos grupos humanos. Os caçadores-coletores vivem em sociedades de vários níveis, com grupos de indivíduos formando uma estrutura hierárquica em camadas  — famílias dentro de bandos, bandos dentro de comunidades, comunidades dentro de tribos.

O nível de organização da comunidade acabou sendo quase exatamente 150. Assim nasceu a “hipótese do cérebro social” e o “número de Dunbar”, o primeiro referindo-se à relação entre o tamanho do grupo e o tamanho do cérebro em primatas e o segundo referindo-se ao tamanho natural de cerca de 150 para grupos humanos.

O número de Dunbar atraiu muita atenção ao longo dos anos. Por exemplo, ele tem sido usado no design de plataformas de mídia social, além de ser a base de algoritmos de segurança online de “aperto de mão secreto” e software de detecção de bot.

Os arquitetos refletiram sobre sua aplicação ao design de edifícios e tem havido considerável interesse no mundo dos negócios, para o qual isso ressoa fortemente. “Número de Dunbar” produz quase 1.400 artigos no Google Scholar e 26.500.000 resultados no Google.

Desafiando o número de Dunbar
Essa exposição, talvez inevitavelmente, fez com que pesquisadores desafiassem o número de Dunbar. Na ciência, os desafios são úteis: eles nos forçam a avaliar os pressupostos subjacentes a uma hipótese e, como resultado, invariavelmente apontam o caminho para novas descobertas. Isso nem sempre foi verdade para o número de Dunbar: a maioria das críticas apenas turvou as águas.

Apesar das evidências crescentes, as mesmas críticas reaparecem com um zelo religioso suspeito. A afirmação mais comum é que o comportamento humano é determinado culturalmente e, portanto, não pode estar sujeito às mesmas regras biológicas do comportamento dos primatas. Outra variante dessa afirmação é que as plataformas de rede como o LinkedIn tornaram possível para nós manter redes sociais mais extensas.

A maioria dessas afirmações não reconhece que o número de Dunbar se aplica a relacionamentos de qualidade, não a conhecidos — que são responsáveis pelas camadas externas mais casuais de nossas redes sociais, além de nossas 150 amizades significativas.

Minha pesquisa sugere que podemos manter apenas cinco amizades íntimas - mas sabemos o nome de até 1.500 pessoas. JelenaMrkovic/wikimedia, CC BY. Imagem modificada pelo tradutor.

No entanto, um desafio mais recente, lançado por pesquisadores da Universidade de Estocolmo, afirma ter finalmente desmascarado o número de Dunbar, mostrando que a equação do cérebro social subestima o tamanho dos grupos sociais humanos. Infelizmente, o estudo usou métodos estatísticos falhos e não levou em conta o corpo de evidências mais atual a favor da teoria.

Desenvolvendo o número de Dunbar
A evidência de que redes sociais pessoais e comunidades naturais aproximam-se de 150 em tamanho, caracterizada por uma estrutura em camadas muito distinta, cresceu consideravelmente na última década. Vemos isso em redes de chamadas telefônicas, grupos no Facebook, listas de cartões de Natal, unidades militares de combate e ambientes de jogos online. O número vale para congregações de igrejas, aldeias anglo-saxônicas listadas no Domesday Book e comunidades da Idade do Bronze associadas a círculos de pedra.

Essa estrutura em camadas aparece tanto nas comunidades quanto nas redes sociais pessoais, com cada camada tendo cerca de três vezes o tamanho da camada imediatamente dentro dela. Na verdade, as mesmas camadas, com os mesmos tamanhos, aparecem nas sociedades de vários níveis de macacos, símios, golfinhos e elefantes. Só acontece de os humanos terem mais camadas.

A evidência proveniente da neurociência
Também preenchemos muitos dos detalhes comportamentais e neurocognitivos que fundamentam a hipótese do cérebro social. Mais de uma dúzia de estudos de neuroimagem mostraram que, tanto em humanos quanto em macacos, o tamanho da rede social de um indivíduo se correlaciona com o tamanho de sua rede de modo padrão — o grande circuito cerebral que gerencia as relações sociais.

Da mesma forma, o mecanismo de ligação baseado no toque que mantém esses grupos unidos — um mecanismo que explora o sistema de endorfina do cérebro — é comum a humanos e primatas. É por isso que abraços e toques físicos são tão importantes em nossos relacionamentos.

Como não fazer estatística
O verdadeiro problema com o estudo de Estocolmo é que ele comete um erro estatístico básico — um erro contra o qual eu já havia advertido em meu artigo original de 1992. Eles usam uma técnica estatística chamada de análise de regressão para calcular a relação entre o tamanho do grupo e o tamanho do cérebro. Até aí tudo bem  —  todos nós fazemos isso. Mas existem várias análises de regressão.

O estudo de Estocolmo usa a forma mais comum  — “regressão de mínimos quadrados” ou MMQ –, que foi projetado para uso em experimentos onde podemos especificar os valores no eixo X (tamanho do cérebro, no caso) com precisão. O MMQ subestima radicalmente a verdadeira inclinação quando este não é o caso, entregando resultados enganosos.

Além disso, agora sabemos que a relação social do cérebro consiste, na verdade, de quatro classes. Isso também faz com que o MMQ subestime a inclinação, agravando o problema.

Os dados sobre nossos relacionamentos consistem em quatro classes de tamanhos diferentes. Robin Dunbar, fornecido pelo autor.

A “regressão ao eixo principal reduzido”, RMA na sigla em inglês, é especificamente recomendada nesses casos, especialmente quando queremos fazer previsões. Melhor ainda, devemos aplicar a equação para a classe certa, ou podemos nos perder demais.

O contraste se reflete no tamanho do grupo que esses dois métodos preveem para os humanos. Para o mesmo conjunto de dados, o método MMQ usado pelo estudo de Estocolmo prevê 71 (com base na afirmação deles), enquanto o método RMA originalmente usado por mim prevê 158.

Este gráfico, de um de meus artigos recentes, mostra como as análises RMA e MMQ (LSR) diferem. Robin Dunbar, fornecido pelo autor.

Seu segundo problema decorre de uma compreensão surpreendentemente empobrecida do comportamento social de humanos e primatas. Se eles tivessem se dado ao trabalho de ler o que passamos a última década publicando, conforme resumido em meu livro recente, teriam evitado muitos constrangimentos desnecessários.


Tradução do texto Dunbar’s number: why my theory that humans can only maintain 150 friendships has withstood 30 years of scrutiny, escrito pelo professor de Psicologia Evolucionista Robin Dunbar e disponível em The Conversation.

Mário Pereira Gomes
Mário Pereira Gomes

Graduado em História (UFPE), transhumanista e divulgador científico.

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