Certamente você já viu, em uma história ou em algum desenho animado, que patinhos recém nascidos seguem a primeira coisa que veem pela frente por pensarem estar seguindo sua própria mãe. Também deve estar careca de saber que abelhas têm danças complexas. E deve saber, mas não saber exatamente como sabe, que os padrões de comportamento, os “instintos”, têm alguma coisa a ver com a evolução da espécie, ou que a natureza humana tem origem na natureza animal e está, portanto, sujeita às mesmas explicações.

Hoje parte da sabedoria popular, todas essas ideias tiveram início no trabalho de um trio de cientistas, os biólogos Karl von Frisch, Konrad Lorenz e Nikolaas Tinbergen. Inspirados pela teoria da evolução de Charles Darwin, foi graças às suas descobertas espetaculares, junto de suas formulações paradigmáticas sobre o comportamento animal e humano, que os três ganharam o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina do ano de 1973. A seguir, a descrição oficial da premiação, escrita pelo Instituto Karolinska há 48 anos e traduzida em primeira mão pela E&S:

Durante as primeiras décadas deste século, a pesquisa sobre o comportamento animal estava a caminho de ficar presa em um beco sem saída. Os vitalistas acreditavam nos instintos como forças místicas e inexplicáveis inerentes ao organismo, que governavam o comportamento do indivíduo. Por outro lado, os reflexologistas interpretavam o comportamento de uma maneira mecânica unilateral, e os behavioristas estavam preocupados com o aprendizado como uma explicação para todas as variações comportamentais.

A saída para esse dilema foi indicada por pesquisadores que se concentraram no valor de sobrevivência de vários padrões de comportamento em seus estudos das diferenças entre as espécies. Os padrões de comportamento tornam-se explicáveis quando interpretados como resultado da seleção natural, análogo às características anatômicas e fisiológicas. Os vencedores dos prêmios deste ano ocupam uma posição única neste campo. Eles são os mais eminentes fundadores de uma nova ciência, chamada “o estudo comparativo do comportamento” ou “etologia” (de ethos = hábito, maneira). Suas primeiras descobertas foram feitas em insetos, peixes e pássaros, mas os princípios básicos mostraram-se aplicáveis também em mamíferos, incluindo o homem.

Karl von Frisch é conhecido principalmente por suas pesquisas sobre a “linguagem” das abelhas. Por meio de uma longa série de experimentos, ele elucidou as maneiras como as abelhas comunicam informação umas às outras. Uma abelha que encontrou uma fonte de mel nas proximidades da colmeia faz uma “dança circular” ao retornar. Outras abelhas participam e assim são estimuladas a saírem da colmeia em busca do mel. Se a fonte de mel estiver situada a uma distância de mais de cerca de 50 metros da colmeia, a abelha que retorna realiza uma “dança de abanar”.

Primeiro ela anda para a frente por uma curta distância, balançando o abdômen, depois vira para o lado e volta para a posição original, repete o movimento ao longo da mesma rota reta e vira para o outro lado para retornar ao ponto de origem, e assim vai. Normalmente, por acontecer dentro da colmeia, a dança é realizada no escuro e na vertical. A direção do caminho reto percorrido na dança informa o resto da colmeia sobre a direção da fonte de mel em relação à posição do Sol, mas a direção “para o Sol” é traduzida como “para cima”.

Até mesmo quando o Sol não está visível as abelhas são capazes de indicar a direção da fonte do mel por meio da análise da luz ultravioleta polarizada. A intensidade do abanar, dentre outros fatores, transmite informação sobre a distância de acordo com o seguinte princípio: quanto mais intenso, mais perto. Em vez de decorrente do aprendizado, este complicado modo de comunicação é evidentemente programado geneticamente.

Quando Konrad Lorenz, nos anos 20, começou seus estudos sobre as atividades “instintivas” das aves, ele descobriu que elas apresentavam frequentemente os “padrões fixos de ação”, que eram provocados por um “estímulo-chave” específico e único, e realizados de uma maneira robótica. Ao estudar animais “inexperientes” (por exemplo, aves jovens nascidas em uma incubadora), ele foi capaz de provar que esses padrões fixos de ação apareciam como reações a estímulos-chave sem qualquer experiência anterior, ou seja, sem qualquer aprendizado.

Hoje no imaginário popular, esta é a icônica imagem de Konrad Lorenz sendo seguido por seus gansos. Ele usou a si mesmo como “mãe” dos gansos para provar sua tese.

Por outro lado, a experiência adequada é de grande importância para o desenvolvimento de alguns tipos de comportamento. Lorenz estudou especialmente um tipo de aprendizagem bastante específico, denominado “imprinting”. Durante um período crítico inicial da vida, um tipo definido de estímulo pode ser necessário para o desenvolvimento normal. Esses estímulos provocam um padrão de comportamento que será irreversível. O patinho recém-nascido será estampado para seguir o primeiro objeto em movimento que vir, seja a mãe, uma caixa de papelão ou um balão. As motivações sexuais de um animal em idade adulta podem ser determinadas por experiências iniciais deste tipo.

Uma das contribuições mais importantes de Nikolaas Tinbergen está no fato de ele ter encontrado maneiras de testar a sua própria hipótese e a hipótese dos outros por meio de experimentos abrangentes, cuidadosos e muitas vezes engenhosos. Por exemplo, por meio de bonecos, ele mediu a força dos estímulos-chave e seus elementos no que diz respeito ao poder de eliciar o comportamento correspondente. Ele analisou as propriedades do bico das gaivotas que eram mães, propriedades estas que fazem com que os filhotes expressem a solicitação por comida, ou seja, sua forma, cores e contrastes. Uma descoberta foi que ao exagerar certas características do bico é possível produzir, correspondentemente, estímulos “supranormais” ou exagerados nos filhotes, fazendo com que eles expressem um comportamento mais intenso do que os naturais. Tinbergen também estudou a organização do comportamento instintivo, por exemplo, a complicada série de ações que constituem o acasalamento e o comportamento reprodutivo dos peixes-espinhosos (sticklebacks).

Nikolaas “Niko” Tinbergen em campo. Uma das ênfases da Etologia está em estudar os animais em seu ambiente natural. Foto por Lary Shaffer.

As descobertas dos vencedores dos prêmios, principalmente a partir dos resultados dos estudos com insetos, peixes e pássaros, têm estimulado pesquisas abrangentes também em mamíferos. Isso se aplica tanto às suas descobertas quanto à organização, maturação e elicitação do comportamento geneticamente programado quanto à demonstração da necessidade de estímulos adequados durante os períodos críticos para o desenvolvimento normal do indivíduo. À medida que o córtex cerebral se desenvolve, o comportamento plástico e aprendido substitui em grande parte os padrões de ação mais mecânicos e fixos.

No entanto, também o homem está equipado com uma série de padrões fixos de ação, eliciados por estímulos-chave específicos. Isso vale para o sorriso do bebê e para o comportamento da mãe com o filho recém-nascido. Investigações em primatas mostraram que isso tem consequências desastrosas para seu comportamento futuro quando um filhote cresce isolado, sem qualquer contato com sua mãe e irmãos. Os machos que crescem nessas condições tornam-se incapazes de copular, e as fêmeas incapazes de cuidar de seus filhotes. Situações psicossociais que levam a conflitos, por exemplo, como resultado de distúrbios da organização social de uma sociedade animal, podem levar tanto a um comportamento anormal quanto a doenças somáticas, como hipertensão e enfarte do miocárdio.

É evidente que podem haver consequências bastante graves quando o ambiente psicossocial é muito antagônico às qualidades biológicas da espécie. Um exemplo é que a aglomeração dentro de um espaço restrito pode levar a um comportamento inadequado, destrutivo e agressivo, e tanto a partir dos animais quanto do homem. A pesquisa nestes campos conduziu a resultados importantes para, por exemplo, a psiquiatria e a medicina psicossomática, especialmente no que diz respeito aos possíveis meios de adaptação ao ambiente disponíveis ao equipamento biológico do homem com o objetivo de prevenir a má adaptação e as doenças.

O nascimento da Etologia foi um marco para praticamente todas as abordagens atuais que estudam o comportamento animal e humano através dos princípios de variabilidade, hereditariedade, seleção e adaptação. Porém, e de maneira muito importante, foi devido a noções implícitas e explícitas da abordagem etológica clássica sobre “perpetuação da espécie” não conciliarem muito bem com o papel do indivíduo na seleção natural que surgiu, posteriormente, a concepção de gene egoísta ou seleção baseada no gene. A partir de então, em vez das adaptações representarem benefícios à sobrevivência da espécie como um todo, elas passam a ser guiadas pelo benefício dado não meramente à sobrevivência, mas à reprodução e perpetuação genética individual. Essa perspectiva traz uma dimensão totalmente nova no pensamento biológico, o que pavimenta o caminho para uma nova era: a Sociobiologia. 

Matheus Coelho
Matheus Coelho

Idealizador da E&S, é graduando em Ciências Biológicas (IB-UFRJ) e apaixonado pela relação entre comportamento e evolução.

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Não existe “perpetuação da espécie”: genes perpetuam a si mesmos e espécies não existem
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