Nós, humanos, temos Tinder, Hinge, eHarmony e Grindr. Para outros animais, há uma verdadeira escassez de serviços de combinação, nem mesmo Bumble ou Plenty of Fish. Mas para as futuras rainhas de uma espécie de formiga, as operárias estéreis parecem cumprir essa função, carregando fisicamente suas irmãs reais, as rainhas mais novas, para os ninhos vizinhos. Lá, as futuras rainhas podem acasalar com outras formigas, estas machos não aparentados, de acordo com um estudo publicado este mês na Communications Biology.

“Isso é muito emocionante”, disse Jürgen Heinze, zoólogo da Universidade de Regensburg, na Alemanha, e coautor do estudo. “É o primeiro caso desta escolha de parceiro assistido e exogamia assistida que temos em animais.” Se você olhar para o solo nas margens do rio no Mediterrâneo, poderá ocasionalmente ver um brilho de sol refletido na asa de uma formiga rainha Cardiocondyla elegans. Mas a rainha provavelmente não estaria voando, ou mesmo caminhando. Em vez disso, ela estaria montada nas costas em cima de uma formiga operária, agarrada firmemente pelas mandíbulas destas.

“Uma vez que você muito observou essas colônias e o comportamento de carregamento, quando você fecha os olhos à noite, você só vê essas formiguinhas se movendo”, disse Mathilde Vidal, doutoranda em Regensburg e principal autora do estudo. De 2014 a 2019, os pesquisadores mapearam a localização de 175 colônias de formigas Cardiocondyla no sul da França e registraram 453 casos desse comportamento de transporte.

Embora essas operárias sejam minúsculas — apenas 2-3 milímetros de comprimento — elas foram observadas carregando as rainhas por quase 15 metros de casa antes de deixarem suas irmãs na entrada de um ninho estrangeiro. E as operárias pareciam saber para onde levar suas irmãs, viajando mais ou menos em linha reta e pulando ninhos que estavam mais perto. Experimentos genéticos mostraram que as formigas nos ninhos que as operárias escolheram eram menos relacionadas geneticamente.

Como acontece com todos os organismos que se reproduzem sexualmente, escolher o parceiro de acasalamento certo é uma decisão importante também para a Cardiocondyla elegans. Mas esta espécie em particular enfrenta um problema único: as formigas machos perderam suas asas e permanecem presas em “câmaras de acasalamento” perto da entrada do ninho, onde acasalam regularmente com fêmeas aparentadas. (Os dados genéticos mostram que mais de ⅔ de todos os acasalamentos em Cardiocondyla envolvem parentes próximos.)

A consanguinidade excessiva pode ser prejudicial. Em um estudo de 2006, o Dr. Heinze e seus colegas descobriram que a endogamia prolongada em outra espécie de Cardiocondyla gerou colônias de formigas menos saudáveis: expectativa de vida mais curta para a rainha, maior mortalidade de descendentes, proporção sexual alterada.

A maioria das espécies de formigas neutraliza isso com exogamia por meio de voos nupciais — eventos espetaculares que duram 1 dia, durante os quais rainhas aladas e machos de muitas colônias diferentes se reúnem, se enxameiam e acasalam em grandes nuvens. Mas isso não acontece com as rainhas de Cardiocondyla elegans, que precisam de ajuda.

Também há evidências de que pelo menos algumas rainhas jovens são carregadas de um ninho para outro, potencialmente acasalando com machos de várias colônias. Nenhuma jovem rainha retorna ao seu ninho natal, passando o inverno em um ninho estrangeiro. Na primavera, ela é expulsa — só pode haver uma rainha que põe ovos por ninho — e presumivelmente começa uma colônia própria, reiniciando o ciclo.

Existe apenas uma temporada de acasalamento para essas jovens rainhas, mas isso é mais do que suficiente. Uma rainha armazena e preserva o esperma de seus companheiros em uma bolsa chamada espermateca para o resto de sua vida. Em algumas espécies, apenas dois espermatozoides são necessários para fertilizar um óvulo e isso é tudo o que a rainha libera (um pouco mais eficiente do que os 40 milhões a 150 milhões de espermatozoides que os humanos usam para realizar uma tarefa semelhante).

Embora a visão tradicional da sociedade social dos insetos sustente que a rainha exerce todo o poder sobre os trabalhadores sem rosto abaixo dela, as pesquisas mostram cada vez mais que esse não é o caso, disse Boris Baer, entomologista da Universidade da Califórnia, em Riverside. E esta nova pesquisa fornece mais um exemplo. “Parece que as trabalhadoras assumiram o poder que têm nessas sociedades em suas próprias mãos e tomam decisões sobre o acasalamento de suas irmãs”, disse o Dr. Baer, que não esteve envolvido no estudo.

Ainda assim, um grande mistério permanece: “Não temos ideia de como elas escolhem uma colônia específica”, disse Baer. Até agora, os pesquisadores não conseguiram fazer com que as formigas coletadas realizassem o comportamento de carregamento em um ambiente controlado de laboratório. Ainda assim, a nova pesquisa destaca as diversas maneiras como os seres vivos em geral e as formigas em particular se reproduzem em nosso mundo. “Onde quer que eu vá e encontre uma nova espécie de Cardiocondyla, elas têm um sistema diferente de acasalamento, elas têm uma estrutura de colônia diferente, elas têm diferentes formas de dispersão”, disse Dr. Heinze.

Tradução do texto At Mating Time, These Ants  Carry Their Young Queen to a Neighbor’s Nest escrito por Richard Sima e disponível em The New York Times.

Mário Pereira Gomes
Mário Pereira Gomes

Graduado em História (UFPE), transhumanista e divulgador científico.

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