Cientistas suecos da Universidade de Zurique recentemente tornaram público um registro incomum de infanticídio, a morte de indivíduos mais novos por indivíduos mais velhos, entre chimpanzés. Incomum pois, pela primeira vez, a vítima não tinha nada além de uma aparência diferente. Tratava-se simplesmente de um filhote albino. O caso aconteceu na reserva florestal Budongo, na Uganda, e os detalhes foram publicados na American Journal of Primatology.
Nas ciências evolutivas comportamentais, o infanticídio até então era conhecido a partir de pelo menos dois contextos: na disputa entre grupos e na divisão de cuidados por parte da mãe. No primeiro, os assassinos tendem a ser os machos, que ganham um benefício reprodutivo matando os filhotes de machos rivais, e no segundo a mãe é impelida a matar seus filhotes doentes, que costumam exigir demais de seus cuidados e com isso atrapalham a sobrevivência dos filhotes saudáveis.
Inédito aos observadores humanos, o presente caso não aconteceu em nem uma das duas circunstâncias acima. O filhote não tinha deformações esperadas nem exigia demais dos cuidados maternos para ser morto pela mãe (que não foi a autora), e o grupo também não estava em disputa com grupos rivais. O único fator de risco foi ele ter nascido com uma aparência diferente. Instiga a curiosidade saber que nós, humanos, temos um nome para esse tipo de comportamento baseado em medo do desconhecido: preconceito racial e estético.
O filhote e sua mãe já vinham sendo constrangidos e amedrontados pelos membros do grupo até que, em uma manhã de um dia comum, o macho alfa local arrancou o pequeno dos braços dela e fugiu até uma árvore, onde deixou o filhote para morrer. No meio do caminho ele chacoalhava o filhote, que gritava e chorava enquanto tinha seus membros arrancados e recebia mordidas na cabeça. A mãe, desesperada, o perseguia — mas em vão.
O acontecimento gerou uma comoção em todo o grupo. Em resumo, vários indivíduos, de diversas idades e ambos os sexos, entraram em contato com a vítima antes e depois da morte, e alguns contribuíram violentamente para o óbito. Todos inspecionaram o corpo, e a maioria tinha uma curiosidade específica pela região anal e genital do cadáver, onde tocavam e enfiavam seus dedos.
Os resultados da autópsia, feita logo depois pela equipe de pesquisa, constataram que ele morreu em decorrência das agressões, que o deixaram sem parte de um dos braços, sem os dedos de uma mão, sem um dos ouvidos, sem parte do pé esquerdo, com vários cortes profundos na cabeça e uma rachadura, feita especificamente por uma fêmea, no crânio.
Fora esses, existem alguns outros pontos interessantes a serem considerados. Um é que, apesar do albinismo não ser como uma deformação típica que leva aos infanticídios esperados, ele é uma condição anômala que também reduz as chances de sobrevivência individual pela decorrência de várias outras deficiências. Sendo assim, o incidente seria uma exceção confirmando a regra na ocorrência de infanticídios.
Os pesquisadores também apontam que a motivação nos assassinos do filhote pode estar relacionada à possibilidade de o albinismo lembrar a aparência de um outro macaco, os Colobus guereza, de coloração preta e branca, que costuma ser parte da dieta de chimpanzés. Isso poderia explicar a fixação com a região anal e genital, locais em que as inspeções serviriam como uma identificação de se era um colobus ou “um de nós”.

Cadáver do bebê albino. A: visão ventral. B: visão dorsal. C: visão lateral com ênfase na lesão cranial. Fotos por Maël Leroux.
Embora exista quem pense que esse tipo de comportamento pode ter sido causado por influência humana, o grupo de chimpanzés é estudado desde os anos 90 e está mais do que acostumado com a presença dos observadores humanos.
Seja pelo medo do desconhecido ou por terem confundido o juvenil com macacos de espécies “inimigas”, o incidente nos mostra como o preconceito pode ser adaptativo em determinados contextos em chimpanzés, nossos primos mais próximos e de quem compartilhamos mais de 95% do DNA. A natureza parece não se importar com critérios morais; na verdade, ela parece nutrir um apreço especial pela perpetuação genética custe o que custar. É um exemplo a não ser seguido.

Idealizador da E&S, é graduando em Ciências Biológicas (IB-UFRJ) e apaixonado pela relação entre comportamento e evolução.
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