O polvo é um molusco cefalópode encontrado no Mediterrâneo e no Atlântico Central. Ele vive normalmente próximo ao fundo do oceano e seu peso pode variar de 2 a 3kg. A temível criatura tem uma língua coberta com dentes e um funil próximo ao lado de sua cabeça que ejeta água, e a falta de um esqueleto ósseo permite que eles comprimam seus corpos a ponto de passar por um espaço do tamanho de uma laranja.
Além da flexibilidade corporal, eles também podem mudar a cor e a textura de sua pele para camuflarem-se ao ambiente ou sinalizar diversos comportamentos, o que acontece graças aos complexos cromatóforos, estruturas controladas conscientemente através da musculatura, que mudam de pigmentação e podem ser reorientados como placas coloridas de acordo com o contexto ambiental.
Os polvos possuem o maior sistema nervoso dentre os invertebrados, com um total de 500 milhões de neurônios distribuídos por todo o corpo. Apenas 40-45 milhões desses neurônios são encontrados nos 40 lobos do cérebro central, que circunda o esôfago. O lobo vertical se assemelha ao hipocampo dos vertebrados e é considerado uma base de recursos próprios, incluindo memórias de curto e longo prazo, e habilidades cognitivas, como discriminação entre diferentes formas e padrões, aprendizagem associativa e espacial, sensibilização e habituação.
Os grandes lobos ópticos atrás dos olhos do polvo são organizados em três camadas corticais, semelhantes à retina dos vertebrados. Dois terços dos neurônios do polvo (∼330 milhões) estão localizados nos oito braços (ou tentáculos). Esse layout neuronal incomum permite que cada braço individual se movimente por conta própria, ou seja, de forma autônoma. Esses braços podem usar ferramentas, afastar um estímulo nocivo, tocar as pálpebras, entre outras atividades.
Muitos desses feitos foram observados em braços de polvo amputados, demonstrando que pouca informação do cérebro central é necessária para o funcionamento de cada braço. Inspirados pelo polvo, modelos computacionais do cérebro estão sendo implementados, e os roboticistas estão trabalhando para incorporar sistemas de controle descentralizados em braços robóticos macios.
A robótica e a engenharia há muito tem buscado inspirações biológicas para o desenvolvimento de frameworks, agentes e algoritmos. Um campo em destaque e que está em ascensão é a computação bioinspirada, que inclui algoritmos genéticos, sistemas imunológicos e redes neurais artificiais, estas últimas os blocos de construção do aprendizado de máquina, a técnica mais poderosa e aplicada na Inteligência Artificial (IA).
Assim, pesquisadores de Harvard desenvolveram o primeiro robô autônomo totalmente macio, o Octobot. Ele é feito por uma combinação de impressão 3D, modelagem e litografia suave. É um robô inspirado em polvos reais, com ausência de componentes rígidos. É alimentado por uma reação química e controlado por uma lógica microfluída que direciona o fluxo de combustível.
O Octobot, um robô autônomo de corpo mole. A equipe do projeto inclui os membros do corpo docente da Universidade de Harvard, Robert Wood e Jennifer A. Lewis, juntamente com pesquisa com formação em engenharia mecânica, impressão 3D, microfluídica e robótica.
A cognição robótica também está avançando com base em inspirações biológicas. O comportamento e cognição animais são corporificados (cognição incorporada), o que implica um acoplamento dinâmico entre o cérebro, o corpo e o meio circundante. Assim, o controle, que convencionalmente se pensa ser feito pelo cérebro ou por um controlador, pode ser parcialmente terceirizado para o corpo físico e a interação com o espaço.
Esta ideia foi demonstrada em vários robôs construídos recentemente, em particular no campo da robótica suave (soft-robótica). Os robôs suaves são feitos de um material macio que apresenta alta dimensionalidade, não linearidade e elasticidade. Sistemas biológicos, como o polvo, coordenam seus corpos complexos de maneira altamente sofisticada, capitalizando e flexionando sua dinâmica corporal.
A inteligência artificial está avançando de forma exponencial e assustadora. Ela é uma ferramenta extraordinária nas últimas décadas para acelerar, automatizar e otimizar tarefas humanas repetitivas e complexas, incluindo os erros humanos. É uma técnica cada vez mais presente em praticamente todos os setores e atividades da vida humana, um mercado que movimenta bilhões de dólares em todo o mundo. Apesar de tudo, comparando com os recursos humanos, agência, inteligência e poder, a IA atual é limitada e não oferece riscos. Mesmo assim, críticos, visionários e filósofos temem os riscos e consequências dos avanços do campo.
Relatórios e análises publicadas pelo Future of Humanity Institute de Oxford e pelo Center for Existential Risk da University de Cambridge discutem e preveem o surgimento de uma superinteligência, resultado de avanços tecnológicos exponenciais. Tal superinteligência, com o acúmulo de recursos tecnológicos, complexidade e poder computacional, seria bilhões de vezes mais inteligente e mais poderosa do que qualquer ser humano que já existiu na face da Terra.
Ela seria a soma de bilhões e bilhões de mentes, máquinas e computadores. E levaria a civilização humana — direta ou indiretamente — ao risco existencial. A maioria dos pesquisadores de IA espera que as máquinas serão capazes de rivalizar com os humanos em inteligência por volta do ano de 2045, e já foi sugerido que se os sistemas de IA se tornarem superinteligentes, eles poderão se tornar imprevisíveis. Em uma “explosão de inteligência”, uma super IA poderia se tornar tão poderosa a ponto de ser irrefreável pelos humanos.
E onde entra o cérebro do polvo nesse assunto? Bem, sendo a inteligência, potencialidades e habilidades humanas singulares os alvos mais desejados a serem replicados por sistemas de IA, é preciso lembrar que o cérebro humano evoluiu não apenas para tarefas e funções moralmente benéficas. Seres humanos, assim como todos os animais, possuem circuitos neurais de raiva e agressividade, e a violência — uma adaptação — é controlada pelo cérebro.
Assim, à medida que os esforços se intensificam para replicar a capacidade humana em sistemas autônomos, é preciso entender que, quando circuitos neurais de violência são replicados em máquinas, estamos permitindo a replicação dessa faceta humana, não obrigatoriamente a violência física e agressividade idênticas aos humanos, mas na forma de exercer poder, competição, ódio, racismo, etc.
Então, como replicar como recursos humanos em sistemas autônomos avançados cada vez mais idênticos aos humanos excluindo comportamento como violência, agressividade e ódio? O polvo pode servir de modelo para o desenvolvimento de uma inteligência artificial segura. Esse animal evoluiu com sistemas nervosos dotados de complexidade cognitiva, que usa e implementa um sistema nervoso distribuído e descentralizado.
Essa é uma inspiração interessante que pode ser estudada no contexto da inteligência artificial. Embora o conceito fundamental de descentralização seja independente da inspiração biológica desses cefalópodes, talvez seja a hora de explorarmos o desenvolvimento de sistemas autônomos com a mente de um polvo em vez da de um ser humano, seja no âmbito da tecnologia, da economia ou da política.

É biólogo, estudante de engenharia de computação e vinculado a um grupo de pesquisa em neurociência computacional na Universidade Federal do ABC.
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Kensabulo Sato
2001 – Uma Odisseia no Espaço demorou mas está chegando a passos rápidos. Segura os bots aí, Samuca.