Pontos-chave

  • Os estudos de associação do genoma completo (Genome-wide Association Study, GWAS) nos permitem correlacionar diferenças genéticas com características comportamentais.
  • Não existe um único gene que explique o comportamento; em vez disso, o comportamento surge da interação complexa de muitos genes diferentes, cada um desempenhando apenas um pequeno papel.
  • A sociedade deve ser cautelosa à medida que aprendemos mais sobre genética comportamental.

A vida floresce com a diversidade, pois a diversidade dá à natureza algo por onde escolher, proporcionando flexibilidade para se adaptar às mudanças. A variação entre os humanos parece infinita, tanto na aparência quanto no comportamento. A variação entre os humanos se deve em grande parte à nossa natureza flexível, que nos permite nos adaptar a uma ampla variedade de trajetórias de vida em potencial, e em parte devido a dimensões definidas de variação em nossa composição biológica cuidadosamente moldada pelas mãos do tempo.

Estudos de associação genômica ampla
Quatro bilhões de anos de seleção natural criaram o maquinário refinado que todos nós compartilhamos  — codificado na maior parte de nosso DNA  — bem como espaço cuidadosamente selecionado para variação  —  codificado em uma minoria das diferenças de DNA. Se os 3,2 bilhões de nucleotídeos em nosso DNA coubessem em um livro de 300 páginas, as diferenças entre duas pessoas aleatórias mal chegariam a duas páginas. Muitas décadas de pesquisa com gêmeos e membros da mesma família sugerem que porções consideráveis das diferenças no comportamento humano estão associadas a algumas das pequenas diferenças dentro dessas duas páginas.

Se os 3,2 bilhões de nucleotídeos em nosso DNA coubessem em um livro de 300 páginas, as diferenças entre duas pessoas aleatórias mal chegariam a duas páginas.

É difícil descobrir as histórias evolutivas por trás dessas diferenças, mas provavelmente ajudaria primeiro a descobrir como essas diferenças genéticas exatamente dão origem à diversidade em nosso repertório comportamental. Avanços recentes na pesquisa genética nos permitem vincular nucleotídeos específicos dessas duas páginas a resultados comportamentais complexos. Os estudos que vinculam a variação genética em um nível molecular com características complexas são chamados de estudos de associação genômica completa (GWAS, na sigla em inglês). Em um GWAS, milhões de nucleotídeos individuais são testados um por um para quantificar sua relação com as mais complexas características humanas, incluindo o comportamento.

A professora Karin Verweij e eu publicamos recentemente um artigo na Nature Human Behavior no qual revisamos o que aprendemos até agora com o GWAS sobre o comportamento humano e quais etapas precisamos dar para aprender ainda mais. Resumirei aqui alguns destaques de nosso artigo e refletirei sobre sua relevância social.

Muitos genes de pequeno efeito
Na última década, mais ou menos, conseguimos vincular milhares de variantes genéticas a características comportamentais humanas, incluindo personalidade, educação, cognição, sexualidade e saúde mental. Os efeitos dessas variantes genéticas sobre o comportamento são, individualmente, muito fracos. Estudos em gêmeos e famílias estimam que, em média, cerca de metade das diferenças individuais nos resultados comportamentais são devidas a diferenças genéticas, o que significaria que dezenas de milhares de variantes genéticas seriam necessárias para explicar essas estimativas de herdabilidade.

Os pequenos efeitos das variantes genéticas individuais são difíceis de estimar, a menos que grupos invulgarmente grandes sejam estudados. Em um GWAS típico, estudamos milhões de variantes de DNA de centenas de milhares de indivíduos. A soma desses pequenos efeitos pode ser usada para prever o risco genético das pessoas para todos os tipos de resultados. O poder preditivo do DNA está aumentando à medida que nossos estudos crescem, mas ainda entendemos muito pouco sobre a natureza dessas previsões.

Provavelmente não há genes que influenciam diretamente resultados comportamentais complexos. Em vez disso, os vários e pequenos efeitos genéticos viajam através de muitas cascatas de processos biológicos desconhecidos que reagem e influenciam os ambientes físicos e sociais em que as pessoas vivem.

Antes de permitirmos que a previsão do DNA chegue à clínica ou outros usos com ramificações imprevisíveis, como seleção de embriões ou seleção de parceiros, é importante que primeiro invistamos em um melhor entendimento da natureza da relação entre diferenças genéticas e resultados comportamentais.

Tudo está conectado

A maquinaria física que carrega nossas mentes e comportamentos emergentes consiste em muitos sistemas intrincados e interconectados. Modificar uma parte irá afetar várias outras. Isso é visível no nível dos genes: efeitos genéticos geralmente são compartilhados entre diferentes comportamentos de maneira sistemática. Genes que aumentam as chances de se tornar alcoólatra tendem a aumentar o risco de solidão. Genes que aumentam o risco de autismo aumentam as chances de se ter um alto QI. Genes que aumentam o risco de anorexia aumentam as chances de se ter um alto nível educacional.

Esses efeitos genéticos compartilhados são comuns entre os resultados comportamentais. Os efeitos genéticos que estimamos refletem uma colcha de retalhos de vários resultados comportamentais subjacentes. Embora muitos estejam ansiosos para usar esses efeitos genéticos na biologia do comportamento, argumentamos que primeiro precisamos nos esforçar mais para dissecar esses efeitos em seus subcomponentes.

Para realização educacional, por exemplo, recentemente dividimos a parte dos efeitos genéticos associados ao QI, que representa 43% dos efeitos genéticos na realização educacional, e uma parte “não-QI”, perfazendo os 57% restantes. Ainda não temos certeza do que exatamente esses 57% restantes implicam, mas vemos que esses genes aumentam o risco de esquizofrenia e transtorno bipolar. Isso pode ocorrer porque as pessoas com maior risco genético de esquizofrenia ou transtorno bipolar tendem a ser mais criativas e mais abertas a novas experiências.

Esses efeitos genéticos compartilhados nos ensinam muito sobre a arquitetura genética do comportamento humano e também nos fazem perceber que é difícil selecionar uma característica sem também influenciar muitas outras. Esse é um forte argumento contra o uso da previsão genética para influenciar o DNA da própria prole por meio da seleção de embriões, um serviço que, infelizmente, algumas empresas já começaram a oferecer.

A genética comportamental é controversa 
A maior parte dos efeitos genéticos compartilhados foi observada entre realização educacional e renda. Essas associações foram relatadas em publicações separadas e o efeito genético em cada uma delas é praticamente o mesmo. Ambas as publicações receberam muita atenção na mídia e nas redes sociais. Enquanto no que se refere ao nível educacional as reações foram em sua maioria positivas, a publicação sobre os efeitos genéticos na renda foi recebida com muitas críticas.

Essas reações opostas ao mesmo sinal genético podem ter a ver com o fato de a renda estar mais associada, na mente das pessoas, às desigualdades sociais. Tentar explicar as desigualdades sociais em termos de algo com que as pessoas nascem pode instigar o medo de que a ciência esteja sendo mal utilizada para justificar a posição de grupos marginalizados. Em vez disso, esses efeitos genéticos moleculares estão ajudando a elucidar uma injustiça inerente à maneira como organizamos nossas sociedades.

Um exame mais atento desses efeitos genéticos mostra que eles contêm quantidades substanciais de influências ambientais. Nossos estudos iniciais tiveram problemas para separar os dois porque eles são altamente correlacionados. Quando seus genes o predispõem a uma educação superior, isso significa que seus pais também carregam esses genes e, portanto, são mais propensos a também ter um alto nível educacional, dando a eles melhores recursos (dinheiro) para cuidar de você em um ambiente melhor. Se você nascer com genes que facilitam o aprendizado, também aumentará as chances de você se mudar para um bairro mais rico com condições de vida mais saudáveis. Essas “vantagens duplas” e “desvantagens duplas” nos fazem confundir o impacto das desvantagens sociais sistemáticas com os efeitos genéticos, inflando as estimativas de herdabilidade.

Essas correlações gene-ambiente foram detectadas recentemente por meio do estudo do DNA de pessoas que tinham exclusivamente origem branca europeia. Diferenças sistemáticas em influências ambientais são muito piores entre diferentes grupos étnicos, o que lança mais dúvidas sobre as alegações dos supremacistas brancos que amam usar estimativas infladas de herdabilidade com o intuito de amparar suas explanações genéticas para diferenças socioeconômicas entre grupos.

Conclusão
Depois de duas décadas lendo genomas humanos, só arranhamos a superfície. Mal começamos a dissecar uma fração do total de herdabilidade que atualmente somos capazes de capturar com dados genéticos moleculares. Grande parte da humanidade ainda está sub-representada em nossas medições, o que torna difícil fazer afirmações mais gerais. Descrevemos com mais detalhes em nosso artigo, na Nature Human Behavior, quais etapas precisamos seguir em nossos métodos e estratégias de coleta de dados para compreender melhor as diferenças em nosso DNA.


Tradução do texto Tiny genetic differences add up to big behavioral effects, escrito pelo geneticista Abdel Abdellaoui.

Mário Pereira Gomes
Mário Pereira Gomes

Graduado em História (UFPE), transhumanista e divulgador científico.

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