Os Hadza possuem o DNA mitocondrial mais antigo já testado em uma população humana — eles podem estar entre as linhas mais antigas, no sentido de “mais intocadas”, do planeta. Eles vivem no interior da Tanzânia, a 50 milhas do desfiladeiro de Olduvai, uma área chamada de “Berço da Humanidade” por conta do número de fósseis de hominídeos encontrados no local e do sítio de Laetoli, famoso pelas pegadas preservadas em cinzas vulcânicas de 3,7 milhões de anos atrás (o segundo local com a evidência mais antiga conhecida do bipedalismo, a capacidade humana de andar em pé).

Evidências arqueológicas estimam que a área tem sido ocupada por caçadores-coletores como os Hadza desde pelo menos o início da Idade da Pedra, há 50 mil anos. Um povo que não pratica agricultura, nem pecuária e não armazena alimentos. Eles forrageiam, o que quer dizer que não há nada para comer pela manhã e eles andam na savana por algumas horas e colhem o que precisam — frutas, mel ou um pássaro, tubérculos (plantas que possuem raízes grossas e comestíveis) e baobás picantes.

Os Hadza são os últimos dos primeiros, um laboratório vivo para a ecologia comportamental, a psicologia e a antropologia evolucionistas.[1] É possível encontrar vários universais humanos entre eles:[2] as avós também auxiliam na criação dos netos (ao redirecionar a energia para a prole de seus filhos, as avós garantem a perpetuação de seus genes através das gerações mais jovens e tornam adaptativa a própria idade pós-reprodutiva).[3]

Os melhores e mais generosos caçadores e fornecedores de recursos são os parceiros mais desejados pelas mulheres (com maior mate value).[4][5Os homens são melhores em habilidades espaciais do que as mulheres e as mulheres são melhores em memória topográfica;[6] o risk taking (comportamento de risco) dos homens Hadza é maior do que o das mulheres mesmo na infância.[7] Além disso, a força do tronco superior de um Hadza é um prognóstico de caça e sucesso reprodutivo, exatamente o que esperaríamos de uma espécie sexualmente dimórfica como o Homo sapiens.[8]

Casal Hadza em busca de comida. Ela usa um graveto com lâmina para cavar tubérculos e o marido traz um machado para extrair o favo de mel dos troncos das árvores e um arco e flechas para caça e defesa. Matthieu Paley/National Geographic
Caçador Hadza munido de arco e flechas saltando pedras em mais uma missão. Matthieu Paley/National Geographic
Expressão impressionante de um caçador Hadza experiente. Matthieu Paley/National Geographic
Os Hadza caminham na savana por algumas horas e reúnem o que precisam de sustente para o dia. Matthieu Paley/National Geographic
O despojo do dia para os caçadores Hadza inclui um galago, popularmente conhecido como "bebê do mato". Matthieu Paley/National Geographic
Caminhada para coleta de tubérculos, alimento básico dos Hadza, uma tarefa feminina. Matthieu Paley/National Geographic

A cooperação social é fundamental para eles, incluindo o cuidado cooperativo da prole (teoria do apego em grupo).[9][10] Para aqueles que pensam que o amor é uma invenção moderna, a paixão, intimidade e comprometimento também são os fatores principais que aumentam o sucesso reprodutivo dos Hadza.[11] Homens Hadza com tom de voz mais grave, um indicativo de tamanho de pregas vocais e distribuição de testosterona, são mais bem sucedidos.[12] Entre eles, a competição também é mais vista entre os homens que entre mulheres.[13]

As redes sociais dos Hadza exibem propriedades importantes também vistas nas redes sociais modernas, como laços de intimidade, transitividade, reciprocidade e homofilia.[14] Eles também compartilham da média de atratividade e simetria faciais do restante do mundo, o que é um forte indício a favor da tese de que a percepção do que é uma face bela é universal.[15] Para os Hadza, o conceito de caráter moral também está presente, mas com percepções diferentes de quem possui.[16]

Importante dizer que, apesar de serem uma sociedade relativamente intocada, os Hadza não são “fósseis vivos”. Eles também mudaram genética e culturalmente ao longo dos milênios e adotaram, há muito tempo, novas ferramentas, como pontas de flechas e panelas. Ainda assim, em sua savana rica, eles são uma visão única do modo de vida e das pressões seletivas que permitiram o surgimento dos humanos modernos. Infelizmente, o turismo e o avanço dos agricultores são fatores que estão extinguindo a cultura Hadza, e hoje eles estão mais restritos em número e forçados à aculturação.

Os Hadza são mais felizes que os europeus modernos.[17] Se existe neles uma diferença cultural que serve como uma lição para o homem civilizado, é que, na sociedade Hadza, o conceito de “preocupação” como algo relacionado ao futuro ou ao passado simplesmente não existe. Seguindo os passos de seus ancestrais, eles realmente vivem o momento. Pode parecer contraditório, mas quando o foco é na rotina diária, a coisa mais natural a ser feita é não se preocupar com o futuro; assim, não há necessidade de “alinhamento dos chakras” para se manter centrado ou mindfulness para experimentar o “aqui e agora”. Os Hadza, sem pensar demais, mantiveram o foco inalterado ao seu próprio modo de vida no decorrer de muitos anos. Eles apenas são.

Samuel Fernando
Samuel Fernando

É biólogo, estudante de engenharia de computação e vinculado a um grupo de pesquisa em neurociência computacional na Universidade Federal do ABC.

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