Sabe-se que a comunidade científica é pobremente aberta às mulheres desde muito tempo atrás, o que faz com que a pesquisa seja dominada por homens. Isso não só dificulta a produção de novos conhecimentos e perspectivas, como impede a revisão do conhecimento já esclarecido à luz de novas evidências — o que já foi demonstrado em vários estudos, dos mais antigos aos mais recentes.
As ciências evolutivas comportamentais, por outro lado, estão fazendo a diferença nesse cenário, já que contam com a participação de diversas pesquisadoras diferentes. Como nós apoiamos a igualdade de gênero na comunidade científica e a pluralidade de pontos de vista como bons pavimentadores do progresso do conhecimento, não há nada mais justo do que tornar essas pessoas ainda mais famosas. A seguir, os nomes das mulheres que mudaram e estão mudando o modo como a sociedade enxerga o comportamento humano:
Barbara Smuts (1950 –)
Psicóloga e antropóloga, Smuts é mais famosa por suas pesquisas com mamíferos. Como alguém que lida com ecologia comportamental, a abordagem que dá ênfase na flexibilidade do comportamento de acordo com as condições e recursos do meio, ela pensa que é olhando para os outros animais que podemos não apenas conhecer melhor a nós mesmos, mas melhorar a própria condição humana. Assim, buscando investigar as origens filogenéticas da agressão contra a mulher, publicou Male aggression against women: An evolutionary perspective, e em The evolutionary origins of patriarchy fez o mesmo com as origens do que chamou de patriarcado. Smuts, como suas colegas, sempre enfatiza que uma melhor compreensão da biologia pode nos ajudar a resolver os problemas sociais.

Smuts em campo com uma família de babuínos.
Margo Wilson (1942 – 2009)
Psicóloga evolucionista, Wilson possui várias publicações sobre a biologia do comportamento humano. Incluem-se aqui Femicide: An evolutionary psychological perspective, em que ela propõe que o feminicídio, o assassinato de mulheres por homens por motivos banais e que envolvam disparidade de poder, é precedido por motivações próprias das várias condições relacionadas à competição entre machos e fêmeas, Familicide: The killing of spouse and children, onde tenta esclarecer os motivos subjacentes à maior parte dos homicídios familiares serem cometidos pelo homem da família, e Competitiveness, risk taking and violence: the young male syndrome, em que aponta as razões diretas e indiretas na correlação entre homens, juventude e riscos.
Ela é co-autora do livro Homicide, onde demonstra que a biologia comportamental pode explicar o porquê da maior parte dos homicídios terem homens como perpetradores e vítimas. Wilson também foi uma das pesquisadoras que defenderam a hipótese de efeito Cinderela. A hipóteese aponta que, em arranjos matrimoniais em que homem e mulher trazem filhos de casamentos passados, padrastos e madrastas tendem a investir mais nestes, seus filhos biológicos, do que em seus enteados, que são mais preteridos e têm mais chances de sofrer abuso infantil, negligência e morte. Isso ocorreria porque os indivíduos, frente a determinadas circunstâncias, agiriam com base no instinto de garantir a sobrevivência da própria linhagem.
Sarah Hrdy (1946 –)
Antropóloga e primatóloga, Hrdy é uma cientista comportamental de renome. A partir de seus estudos com animais não-humanos, ela é determinada em mostrar a todos o quanto mulheres e fêmeas, bem como a natureza feminina no geral, são tópicos subestimados e muito pouco explorados. Para findar isso, alguns de seus livros incluem The Woman that Never Evolved, Mothers and Others: The Evolutionary Origins of Mutual Understanding e Mãe Natureza: Uma visão feminina da evolução. Em Raising Darwin’s consciousness, ela busca integrar perspectivas feministas e biologia comportamental. Em 2002, a revista Discover a reconheceu como uma das 50 mulheres mais importantes da ciência, e em 2009 ela foi eleita uma das mais importantes representantes da disciplina de comportamento animal.

Hrdy estudando langures-cinzentos na década de 70. Seu trabalho foi o primeiro a questionar as ideias de comportamento sexual estereotipado (machos são “ávidos”, fêmeas “tímidas”) e mostrar que fêmeas também podem ter vantagens evolutivas aumentando seu número de parceiros — que poderiam evitar um infanticídio se conseguissem confundir a paternidade de um macho infanticida. Posteriormente, o mesmo foi descoberto em várias sociedades humanas.
Filósofa da biologia, Vandermassen possui pelo menos um livro voltado à representatividade feminina nas ciências evolutivas comportamentais, Who’s afraid of Charles Darwin? Debating Feminism and Evolutionary Theory. Ela também já publicou vários artigos, incluindo A Tale of Male Bias and Feminist Denial, onde aponta os vieses sexistas de Darwin e o relutância das autoras feministas mais atuais em aceitar que a teoria da evolução também explica o comportamento de homens e mulheres, e Evolution and Rape: A feminist darwinian perspective, em que busca questionar a visão que dois cientistas comportamentais, Craig Palmer e Randy Thornhill, têm sobre violência sexual.
Jane Goodall (1934 –)
Etóloga e antropóloga responsável por conceber muito do que se conhece hoje no comportamento de primatas não-humanos, Goodall mostrou ao mundo que possuir cultura, ser capaz de aprender e ensinar, manter relações sociais, raciocinar, apresentar personalidade e emoções complexas não são exclusividades humanas como se pensava.
Ela dedicou sua vida à pesquisa com os chimpanzés da Tanzânia, possui dezenas de livros, documentários e uma ampla filmografia. Hoje é conservacionista e ativista pelos direitos dos animais, tendo recebido diversos prêmios durante sua carreira, incluindo o título de Mensageira da Paz pela Organização das Nações Unidas (ONU). Um documentário biográfico contando sua história com imagens inéditas, Jane: A Mãe dos Chimpanzés, foi produzido pela National Geographic e está disponível também na plataforma Netflix.

Jane e Uruhara, um chimpanzé, em 1996.
Anne Campbell (1951 – 2017)
Psicóloga evolucionista interessada nas diferenças que homens e mulheres apresentam em relação à agressão, Campbell chegou a criticar a ideia de que homens veriam a agressão como um meio para um fim enquanto que as mulheres veriam como um tipo de perda de controle. Ela ajudou, com o seu artigo Staying alive: evolution, culture, and women’s intrasexual aggression, a esclarecer que uma cultura que infantiliza e patologiza o comportamento feminino pode ajudar a explicar essa diferença de percepção.
Seus dados apontaram que, apesar da competição ser vista tanto entre homens como entre mulheres, a agressão entre elas tende a ser mais indireta e menos arriscada, enquanto que entre eles o oposto. Segundo ela, isso se dá pelas mulheres se comprometerem mais com a própria integridade, o que seria explicado pelo maior cuidado com a prole e menor com o status pessoal. Campbell também desmistificou a ideia de que as mulheres tiveram papel apenas secundário e passivo na evolução humana em A Mind of Her Own: The Evolutionary Psychology of Women.
Laura Betzig (1934 –)
Antropóloga e psicóloga de formação, Betzig estreou a área hoje conhecida como história evolucionista — a disciplina humana de historiografia baseada não em teorias materialistas de dialética de classe, mas nos princípios de variação, hereditariedade, seleção e adaptação. Sua tese, nomeada Despotism and differential reproduction: A cross cultural correlation of conflict asymmetry, hierarchy, and degree of polygyny, analisa como os sistemas de casamento e as desigualdades de poder nas sociedades antigas se correlacionam com vários fenômenos evolutivos.
Em uma revisão recente, ela demonstrou como, a depender do tipo de organização social, a desigualdade de recursos se correlaciona à desigualdade genética (no número de descendentes que homens e mulheres deixam às próximas gerações). Em sociedades muito desiguais economicamente, como em impérios, poucos e poderosos homens deixam centenas de descendentes tendo relações com a maioria das mulheres; enquanto que, em sociedades pouco desiguais, como os caçadores-coletores, a descendência é mais equiparada.
Betzig é uma pesquisadora ativa, autora de vários livros e dezenas de artigos, e sua pesquisa traz insights valiosos não só à relação entre biologia e cultura, mas às sociedades modernas e democráticas também.

O alcance do sucesso reprodutivo de homens e mulheres em três diferentes tipos de sociedade (baixo: menos estratificadas; meio: intermediárias; topo: muito estratificadas). As barras pretas denotam a descendência masculina, e as barras brancas a feminina.
Dian Fossey (1932 – 1985)
Instruída por Jane, Fossey tornou-se uma especialista em gorilas numa época em que todos pensavam que esses primatas eram agressivos, brutais e implacáveis. Ela passou a conviver com eles, aprendeu todo seu repertório de comportamento e começou a registrar o modo de vida dessas criaturas, tratando-os com nomes próprios e vendo cada um deles como indivíduos. Como resposta, aos poucos os gorilas a aceitaram, e passaram a tratá-la como parte do grupo.
Seu trabalho sofria ataques constantes de caçadores ilegais e furtivos, e foi a partir do assassinato de Digit, um dos gorilas com quem tinha mais apreço, que Fossey abraçou de vez a causa conservacionista. Em homenagem a Digit, ela fundou a Digit Fund, e dali em diante, vendo tanta corrupção e irregularidade, decidiu ter uma vida solitária em relação aos humanos e próxima em relação aos gorilas, a ponto das pessoas da região passarem a chamá-la de “Nyiramacibili” (mulher que vive sozinha na floresta). Infelizmente, na madrugada do dia 27 de dezembro de 1985, a casa de Fossey foi invadida e ela foi assassinada.

Fossey com Puss, uma fêmea de 2 anos de idade, e Coco, um macho de pouco mais de 1 ano.
Hoje, a Digit Fund é mais conhecida como Dian Fossey Gorilla Fund, e possui o slogan “ajudando pessoas, salvando gorilas” — uma alusão ao fato de que Fossey conseguiu salvar os gorilas, o que lhe custou a própria vida, e ajudou as pessoas por movimentar a economia de Ruanda, África, com o turismo atraído por seus primatas. Em sua homenagem, foi feito o documentário Dian Fossey: Mistérios de uma vida.
Outros nomes abrangem Birutė Galdikas (etóloga especializada em orangotangos que, junto de Goodall e Fossey, especialistas respectivamente em chimpanzés e gorilas, formam o grupo Trimates — “tri” de trio, “mates” de primates, mas que também significa “companheiras”), Paula Stockley (bióloga), Leda Cosmides (bióloga e psicóloga cognitiva, responsável praticamente por oficializar o que hoje é conhecido como psicologia evolucionista), Bobbi Low (ecóloga comportamental), Maria Yamamoto (psicóloga evolucionista), Helena Cronin (filósofa da biologia), Vera Bussab (etóloga), Helen Fisher (antropóloga), Kristen Hawkes (antropóloga), Linda Mealey (etóloga), Meredith Small (antropóloga), Julia Fischer (etóloga) e Patricia Gowaty (bióloga). Gowaty, em especial, além de ser uma opositora da seleção sexual de Angus Bateman, publicou também o livro Feminism and Evolutionary Biology: Boundaries, intersections and frontiers, onde debate as discordâncias e as concordâncias entre feminismo e teoria da evolução.

Galdikas, Goodall e Fossey, as Trimatas.
Várias dessas cientistas defendem uma nova visão sobre a biologia e o comportamento humano e animal, e muitas delas são feministas que, em contraste aos tantos ramos do feminismo mainstream, que não é adepto de teorias científicas sobre o comportamento, veem a si mesmas como “feministas darwinistas”. Com base nisso, algumas delas, incluindo Patricia Gowaty e Paula Stockeley, têm organizado publicações especificamente voltadas à representatividade feminina na literatura científica, como Female competition and aggression, que conta com um prefácio em que Sarah Hrdy provocativamente parafraseia a afirmação de que “em toda a criação, a mulher é o animal que o homem menos entende“.
A Ciência só tem a ganhar conforme mais mulheres buscam derrubar o mito de que apenas os homens têm interesses próprios, que somente os machos competem e enfrentam dificuldades em relação à sobrevivência e reprodução enquanto fêmeas supostamente aguardariam sentadas confortavelmente em sua seleção passiva dos machos mais aptos. Toda essa reviravolta é muito importante em elucidar o que o conhecimento científico tradicional sempre deixou passar: a natureza humana vista através de lentes diferentes.

Idealizador da E&S, é graduando em Ciências Biológicas (IB/UFRJ), bolsista PIBIC em Taxonomia e Sistemática (LabEnt/UFRJ), filiado ao grupo de pesquisa Evolução, Moralidade e Política (CNPq/UFRRJ) e apaixonado pela abrangência da teoria evolutiva.
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