É mais provável que um garoto, ao crescer, exerça a função de professor de primário lidando com crianças ou, pelo contrário, trabalhe diretamente com coisas, como um mecânico de motores? Um investidor inteligente apostaria na segunda opção — e isso é uma verdade que se mostra presente independente do país ou da década ao longo do século XX. Mas por quê? Quais são os fatores que inclinam a balança para esse resultado aparentemente estereotipado?
Uma resposta persuasiva está nas preferências diferenciais por coisas e pessoas. No início do século 20, os psicólogos começaram a examinar pela primeira vez como jovens dos sexos masculino e feminino tendem a diferir em termos de interesses e aspirações de carreira. Os resultados desses primeiros estudos, juntamente com análises adicionais abrangendo várias décadas no final do século, lançaram luz sobre um padrão: os meninos tendem a preferir trabalhar com coisas, enquanto as meninas geralmente preferem trabalhar com pessoas (embora, é claro, as pessoas às vezes prefiram empregos atipicamente estereotipados).[1]
Você pode pensar que as forças sociais — discriminação, papéis de gênero e outros — moldam significativamente esses resultados. Afinal, os primeiros estudos sobre o tema foram realizados na época em que as mulheres nos EUA conquistaram o direito ao voto, quando apenas cerca de 25% das mulheres americanas estavam ocupando algum cargo, em comparação com cerca de 57% hoje.[2][3] Porém, embora esses fatores provavelmente desempenhem algum papel, a literatura é bem clara ao mostrar que as aspirações e interesses ocupacionais de homens e mulheres não mudaram tanto ao longo do século XX, mesmo que as normas sociais decididamente tenham mudado.
Qual seria a implicação? A biologia desempenha um papel considerável na determinação das ocupações pelas quais somos atraídos.[4] Essa foi uma das principais conclusões de um estudo publicado recentemente na revista PLOS One.[5] Os resultados mostram que, independentemente do país ou da cultura, meninos e meninas, respectivamente, tendem a aspirar de forma diferente empregos que lidam diretamente com coisas e pessoas. E, possivelmente, de forma contraintuitiva, essa preferência por empregos estereotipados parece aumentar à medida que as nações experimentam maior riqueza e igualdade de gênero — um fenômeno apelidado de “paradoxo da igualdade de gênero”.[6]
Pessoas vs. coisas
O estudo analisou os resultados da pesquisa do Programme for International Student Assessment de 2018, um estudo que mede o desempenho escolar e os interesses de jovens de 15 anos em todo o mundo. Os autores se concentraram em como cerca de 500.000 estudantes em 80 países responderam à pergunta: “Que tipo de trabalho você espera ter quando tiver cerca de 30 anos?”
Os pesquisadores classificaram todas as respostas possíveis em duas amplas categorias de trabalho: uma em que o foco é geralmente nas pessoas, a outra geralmente nas coisas.
“As ocupações orientadas para as coisas são aquelas que envolvem trabalho extensivo com máquinas, como programação de computadores, reparação de máquinas (por exemplo, carros) ou alfaiataria, enquanto as ocupações orientadas para as pessoas envolvem interações cara a cara benéficas, como na medicina ou no ensino,” observaram os pesquisadores, acrescentando que excluíram empregos que não eram predominantemente centrados em pessoas ou coisas.
Os resultados mostraram que: (1) em todos os países, o percentual de meninos que aspiravam uma ocupação orientada a coisas era superior à percentagem de meninas; (2) em todos os países, mais meninas adolescentes do que meninos aspiravam ocupações voltadas a pessoas; (3) respectivamente, as porcentagens medianas de meninos e meninas que aspiravam a uma ocupação orientada a coisas foram de 37,4% e 8,7%; (4) as aspirações de carreira orientadas a coisas eram incomuns para meninas (mesmo nos países mais tecnicamente desenvolvidos, 2,9% de meninas em comparação com 14,8% dos meninos).[7]
O paradoxo
As descobertas estão alinhadas com a literatura de longa data sobre o espectro coisas-pessoas da pesquisa sobre aspirações e interesses de carreira. Como estudos anteriores mostraram, os resultados mostram que homens e mulheres tendem a buscar empregos estereotipados em taxas maiores quando seu país oferece mais empoderamento econômico e político para as mulheres, o que é descrito como um “paradoxo da igualdade de gênero”.
Por exemplo, a Islândia tem sido consistentemente classificada como a nação com maior igualdade de gênero pelo Global Gender Gap Index (GGGI), que é um relatório anual sobre o empoderamento das mulheres com base nas proporções de gênero na representação política, participação econômica, duração da educação formal e medidas de saúde. Enquanto isso, a Islândia também é a nação onde homens e mulheres são mais propensos a buscar empregos estereotipados.
O estudo recente lançou luz sobre o paradoxo da igualdade de gênero, destacando que a riqueza de uma nação parece afetar as escolhas de carreira de seus cidadãos, observando que o empoderamento das mulheres está associado a níveis relativamente altos de riqueza nacional. Com menos preocupações econômicas, uma maior riqueza nacional pode permitir que mais estudantes busquem empregos para os quais são naturalmente atraídos.
“Estudantes individuais em nações ricas com fortes redes de segurança social podem escolher muito mais de acordo com interesses ocupacionais biologicamente influenciados (ao longo da dimensão coisas-pessoas) do que de acordo com ideais políticos — isso explica o envolvimento relativamente baixo em ocupações atipicamente estereotipadas nessas nações, apesar de não faltar a consciência dos ideais de paridade de gênero em todos os setores da sociedade”, afirmou o estudo.
Fatores sociais podem, de fato, desempenhar um papel na determinação de quais empregos homens e mulheres estão interessados, como observaram os pesquisadores, mas a biologia parece ser uma força considerável que impulsiona esses resultados. De uma perspectiva política, isso significa que as intervenções destinadas a trazer mais mulheres para ocupações orientadas a coisas podem precisar ser reconfiguradas para levar em conta fatores biológicos.
Mas os pesquisadores sugeriram que vale a pena considerar se, para começo de conversa, tais intervenções são apropriadas. Afinal, se queremos maior riqueza nacional e igualdade de gênero, e essas duas coisas parecem levar as pessoas a empregos estereotipados, por que não deixar as fichas caírem onde puderem cair? O escopo dessa questão era “muito amplo para discussão” no estudo recente, mas os autores observaram que o que pode ser bom para organizações e negócios nem sempre é bom para os indivíduos.
•
Tradução de Why do men and women choose stereotypical jobs in more equal nations?, escrito por Stephen Johnson e publicado em Big Think.

Formado em Filosofia e graduando em Psicologia, tem interesse em neurocomputação, linguística computacional, psicologia evolucionista e filosofia da biologia.
Gostou do conteúdo?
Nossa organização depende do retorno do público. Sua ajuda, portanto, seria muito bem vinda. Para colaborar, clique no coração!