Resumo e contexto:
O novo livro O Despertar de Tudo: Uma Nova História da Humanidade, como vários outros que vieram antes, trata do desenvolvimento histórico das sociedades humanas. Mas ele é diferente. Além de apresentar seu próprio arco da história, sua proposta está em revisar as alegações principais de todos os outros livros (dessa vez, segundo os autores, à luz do conhecimento de especialistas).
Na manchete “Livros como ‘Sapiens’ deseducam sobre evolução humana, diz arqueólogo” (clique na imagem para ler), David Wengrow, um dos autores, afirma que os pesquisadores dos outros livros “são todos excelentes escritores, mas vêm de outras áreas. [Steven] Pinker é, claro, um psicólogo. Creio que Harari se especializou em história medieval. Diamond fez doutorado em fisiologia e é ornitólogo.”
Ao apontar uma falta de credenciais adequadas por parte dos outros, Wengrow assume algumas responsabilidades tanto empíricas quanto políticas. Empíricas porque muito do que é conhecido sobre natureza humana teria que ser revisado, e políticas porque, ainda segundo ele, haveria uma tendência ideológica na literatura corrente que não necessariamente representa o conhecimento científico.
Por essas e outras, o livro ajuda a criar uma sensação de que, durante anos e graças a razões misteriosas, a verdade tem sido escondida de todos. A receita perfeita se o assunto é propaganda. Assim, era de se esperar que O Despertar de Tudo se tornaria a nova sensação em todo tipo de debate.
E colocado em contraste, como visto, está Sapiens: Uma Breve História da Humanidade. O mais famoso e também mais fácil de bater. Como já mencionamos, porém, embora não enxergamos em Sapiens outra coisa que não um livro para leigos, toda essa reação é injusta. E mais injusto ainda seria deixá-la correr livremente.
O seguinte texto é a tradução de “The Dawn of Everything and the Politics of Human Prehistory”, escrito originalmente por Dennis J. Junk, antropólogo e psicólogo, e publicado na revista Quillette. O texto expõe toda a prepotência de O Despertar de Tudo, além de analisar minuciosamente a argumentação de seus autores. Ele conclui que, no melhor dos cenários, estamos diante de uma falsa promessa.
Só mais uma coisa...
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Em 1885, Thomas H. Huxley proferiu um discurso no qual declarou famosamente que a ciência “comete suicídio no momento em que adota uma crença”. A ocasião era a conclusão de uma estátua de Charles Darwin para o Museu Britânico, mas Huxley, o homem conhecido como “Buldogue de Darwin”, sentiu-se obrigado a enfatizar que o monumento não deveria de forma alguma ser interpretado como uma sanção oficial às ideias de Darwin, porque “a ciência não reconhece tais sanções”.
Na ciência, o status de qualquer ideia depende da força das evidências que a sustentam e, portanto, deve ser tratado como provisório à medida que os dados se acumulam e nossa compreensão se aprofunda. O aforismo de Huxley era como um lembrete de que nenhuma crença, seja pessoal, política, religiosa ou mesmo científica, deve ser imune a questionamentos e revisões.
No entanto, embora muitos cientistas continuem defendendo a estrita separação entre pesquisa científica e defesa política, um número crescente de pesquisadores agora argumenta que a convenção de proibir crenças na ciência é antiquada e até mesmo reacionária. Essa tendência é especialmente pronunciada nas ciências sociais. Como Allison Mickel e Kyle Olson escrevem em um artigo de opinião de 2021 para a revista Sapiens (sem relação com o livro) intitulado “Arqueólogos também devem ser ativistas”:
Ainda há aqueles que argumentam que os cientistas mantêm sua autoridade apenas quando permanecem objetivos, separados das preocupações políticas atuais. Muitos acadêmicos têm criticado essa visão há décadas, demonstrando que a ciência totalmente objetiva sempre foi mais um mito do que uma realidade. A ciência sempre foi moldada pelas preocupações contemporâneas do tempo e do local em que a pesquisa ocorre.
A sugestão aqui é que, uma vez que os pesquisadores nunca podem separar completamente sua política e seu trabalho, eles podem muito bem garantir que estão incorporando as políticas corretas em suas suposições fundamentais. Podemos chamar isso de argumento da inevitabilidade. As políticas “corretas” são consideradas pela maioria dos ativistas como aquelas que são mais benéficas para as pessoas marginalizadas — o que geralmente significa aceitar acriticamente as visões dessas pessoas ou, se essas visões forem inacessíveis, escolher a narrativa que as retrate de forma mais favorável.
Embora esse raciocínio pareça convincente e moralmente louvável para muitos, ele é severamente falho. Por exemplo, a inevitabilidade das preocupações políticas influenciarem nossa pesquisa não justifica abandonar os esforços para reduzir seu impacto. Se microrganismos patogênicos inevitavelmente sobreviverão a qualquer esforço de desinfecção de um centro cirúrgico, isso está longe de significar que os cirurgiões devem realizar procedimentos em banheiros de postos de gasolina.
Aqueles que têm o objetivo de chegar a uma compreensão mais clara e abrangente da realidade devem se esforçar para minimizar a influência de preconceitos decorrentes de crenças e agendas não-científicas tanto quanto possível, mesmo que erradica-los completamente esteja além das capacidades de qualquer um. E mesmo que possa parecer admirável e até heroico errar a favor da proteção daqueles que podem não ser capazes de se proteger, presumir a verdade da suposta vítima também tem desvantagens óbvias, sendo a mais importante delas que essa verdade presumida pode não ser verdadeira.
O falecido antropólogo e anarquista David Graeber (à esquerda da imagem em destaque), serve como um estudo de caso sobre o que acontece quando se permite que crenças e interesses políticos se infiltrem na ciência. Por décadas, Graeber participou de movimentos de esquerda e radicais, e ele foi um dos planejadores originais — um “anti-líder” — do protesto Occupy Wall Street. Em janeiro de 2017, ele tuitou: “Alguém conhece alguma refutação prática aos números neoliberais/conservadores sobre o progresso social nos últimos 30 anos?” Na sequência do tuíte, ele detalhou:
De novo e de novo eu vejo esses caras apresentando números que mostram que a pobreza absoluta, o analfabetismo, a desnutrição infantil, o trabalho infantil, diminuíram significativamente […] que a expectativa de vida e os níveis de educação aumentaram consideravelmente em todo o mundo, mostrando assim que a era dos ajustes estruturais foi algo bom. Me parece altamente improvável que esses números estejam corretos […] É evidente que tudo isso foi elaborado por think tanks [organizações que fomentam opiniões políticas] de direita. Mas onde estão os números do outro lado? Não encontrei nenhuma refutação clara.
Graeber respondeu às acusações de raciocínio motivado nos comentários, insistindo que estava apenas demonstrando o ceticismo esperado de um cientista que busca evidências contrárias. O que ele não compreendeu foi que não era a pergunta em si que revelava seu viés. Era o fato de ele caracterizar os dados que estava investigando como “neoliberais/conservadores”, assumindo sem evidências que eles foram “elaborados por think tanks de direita”. Em vez de tratar os dados como uma possível janela para a natureza de nossa civilização, ele via os números como pontos no placar para o time adversário, o qual ele presumiu ter sido contado apenas por causa de arbitragem partidária.
Graeber faleceu em 2020, mas seu desafio à narrativa de progresso social sobrevive em seu livro publicado postumamente, O Despertar de Tudo: Uma Nova História da Humanidade, e escrito em conjunto com o arqueólogo David Wengrow. Sua principal tese é que a história tradicional de como as sociedades humanas evoluem, passando de grupos igualitários de caçadores-coletores para tribos maiores e mais sedentárias, depois para cacicados mais hierárquicos e, finalmente, para estados altamente estratificados regidos por governantes autoritários, está errada e deve ser questionada. Eles argumentam que essa narrativa pode ser atribuída a Jean-Jacques Rousseau (se você acredita que os caçadores-coletores eram pacíficos e amantes da liberdade) ou a Thomas Hobbes (se você acredita que eles eram miseráveis e belicosos).
“Nossas objeções podem ser classificadas em três categorias mais amplas”, escrevem eles no primeiro capítulo. Uma dessas categorias é científica e se volta à dicotomia Rousseau-Hobbes: “essas duas alternativas”, afirmam, “simplesmente não são verdadeiras”. As outras objeções reclamam que as histórias convencionais “têm implicações políticas terríveis” e “tornam o passado desnecessariamente monótono”. Graeber e Wengrow estão preocupados que as teorias evolucionistas sociais padrão tratem os caçadores-coletores como selvagens ou “crianças inocentes da natureza”, em vez de dar a esses caçadores-coletores o crédito por formularem ideias elevadas sobre liberdade e reconhecerem sua capacidade de experimentar diferentes arranjos sociais.
Infelizmente, o pensamento delineado por Graeber e Wengrow no início de cada seção de seu livro geralmente carece de citações e, quando eles fazem referência a outros trabalhos, frequentemente os distorcem. À medida que os eles questionam a pesquisa em suas áreas, o leitor pode sentir-se abordado por um homem em um bar se gabando de como venceu adversários impossivelmente densos em batalhas de inteligência.
De fato, o principal problema de O Despertar de Tudo é que se trata basicamente de um longo desabafo contra um espantalho — a visão de que as sociedades progridem inevitavelmente e rigidamente através de uma série de estágios estereotipados. E logo fica claro que a verdadeira objeção de Graeber e Wengrow é em relação à ideia de que sociedades grandes requerem alguma forma de domínio governamental — uma questão que, é claro, está no cerne de qualquer anarquista.
Para Graeber e Wengrow, o estudo da pré-história humana é dominado por pesquisadores que assumem que as sociedades, em todos os lugares, inevitavelmente progridem por estágios idênticos. Impulsionadas pelos mesmos desenvolvimentos tecnológicos-chave, elas chegarão a algum tipo de estado moderno, caracterizado por um controle autoritário e pesado das massas pelos poucos ricos e poderosos. No final do livro, eles admitem que “quase ninguém hoje subscreve totalmente esse quadro”, mas acrescentam:
Se nossos campos avançaram, eles o fizeram sem oferecer uma visão alternativa, pelo que parece. O resultado disso é que quase qualquer pessoa que não seja arqueólogo ou antropólogo tende a recorrer ao esquema antigo quando se propõe a pensar ou escrever sobre a história mundial em uma escala ampla.
Mas para criar a ilusão de que estão desafiando a visão predominante, que eles insistem estar desproporcionalmente influenciada por não-especialistas, Graeber e Wengrow são obrigados a misturar a erudição moderna com ideias dos séculos XVII, XVIII e XIX. Isso ocorre porque os estudiosos modernos, tanto dentro quanto fora do campo da antropologia, não propõem regras invariáveis sobre o comportamento humano e a sociedade. Em vez disso, eles procuram por tendências e correlações, como na observação de que caçadores-coletores tendem a viver em sociedades de pequena escala e tendem a ser igualitárias.
O antropólogo Christopher Boehm, por exemplo, escreveu alguns dos livros mais amplamente citados sobre o igualitarismo dos caçadores-coletores. Na introdução de seu livro Hierarchy in the Forest: The Evolution of Egalitarian Behavior (“Hierarquia na Floresta: A Evolução do Comportamento Igualitário”), Boehm escreve: “Parto do pressuposto de que os humanos foram igualitários por milhares de gerações antes de sociedades hierárquicas começarem a surgir”. Graeber e Wengrow o criticam por afirmar que “fomos estritamente ‘igualitários por milhares de gerações'”, embora Boehm nunca tenha usado a palavra “estritamente”, e sua teoria claramente permite exceções. “Portanto”, continuam Graeber e Wengrow, “de acordo com Boehm, por cerca de 200.000 anos, todos os animais políticos escolheram viver da mesma maneira”. Eles continuam reclamando de sua “estranha insistência de que por muitas dezenas de milhares de anos, nada aconteceu”. Mas Boehm não insiste em nada desse tipo. Boehm escreve:
Quando indivíduos tentam romper com a ordem social igualitária, eles serão prontamente reconhecidos e, em muitos casos, prontamente contidos de forma preventiva. Uma razão para essa sensibilidade é que a tradição oral de um grupo (que incluía conhecimento de grupos adjacentes) preservará histórias sobre episódios sérios de dominação.
Se houve “episódios de dominação”, então algo aconteceu. Se isso não está claro o suficiente, Boehm escreve posteriormente que “uma forma de vida de caça e coleta em si mesma não garante uma orientação política decisivamente igualitária.”
A deturpação de Graeber e Wengrow é especialmente frustrante porque as implicações das descobertas recentes de obras e construções monumentais feitas por caçadores-coletores são importantes para teorias como a de Boehm, mas os autores não são generosos com suas ideias, impedindo o que poderia ter sido um desacordo instrutivo. “Cegos pelas histórias ‘se isso, portanto aquilo’ de como as sociedades humanas evoluíram”, escreveram eles, “não conseguem ver metade do que está agora diante de seus olhos”.
Os dois estudiosos cujas obras sofrem os ataques mais contundentes em O Despertar de Tudo são Jared Diamond e Steven Pinker. Diamond e Pinker também se baseiam na sequência tradicional de evolução cultural em suas obras, mas ambos usam os termos de Elman Service “bando”, “tribo”, “cacicado” e “estado” como categorias descritivas, não como uma teoria explicativa de progressão mecânica. Graeber e Wengrow, no entanto, afirmam que a teoria de Diamond é que a agricultura destruiu o igualitarismo dos caçadores-coletores. Segundo eles:
Para Diamond, assim como para Rousseau alguns séculos antes, o que pôs fim a essa igualdade — em todos os lugares e para sempre — foi a invenção da agricultura e os níveis populacionais mais altos que ela sustentava. A agricultura trouxe uma transição de “bandos” para “tribos”. A acumulação de excedentes de alimentos alimentava o crescimento populacional, levando algumas “tribos” a se desenvolverem em sociedades classificadas conhecidas como “cacicados”.
Diamond realmente argumentou que a agricultura causou uma série de transições para sociedades mais complexas “em todos os lugares e para sempre”? Na seção de seu livro O Mundo Até Ontem: O Que Podemos Aprender com as Sociedades Tradicionais?, que Graeber e Wengrow citam, Diamond escreve:
As maiores populações das tribos em comparação com os bandos requerem mais alimentos para sustentar mais pessoas em uma área pequena, e assim as tribos geralmente são agricultoras, criadoras de gado ou ambas, mas algumas são caçadoras-coletoras que vivem em ambientes especialmente produtivos (como o povo Ainu do Japão e os indígenas da região noroeste do Pacífico da América do Norte).
Então, em vez de afirmar que a agricultura desencadeia uma marcha inevitável em direção à despotismo, Diamond fala de tendências e correlações, deixando sem resposta a questão de em qual direção aponta a seta causal. Ele torna esse foco em tendências bastante explícito, e um detalhe é que o trecho está próximo da parte que Graeber e Wengrow escolheram para criticar:
Embora cada sociedade humana seja única, também existem padrões transculturais que permitem algumas generalizações. Em particular, existem tendências correlacionadas em pelo menos quatro aspectos das sociedades: tamanho da população, subsistência, centralização política e estratificação social.
A ênfase de Diamond nas correlações e na importância de ter em mente as exceções faz parte de uma discussão de uma página e meia sobre as vantagens e desvantagens de usar o esquema de classificação tradicional.
É claro que refutar uma afirmação categórica é muito mais fácil do que contestar um argumento sobre frequências relativas, então é fácil entender a tentação. Tudo o que Graeber e Wengrow precisam fazer para desacreditar sua versão distorcida das ideias de Diamond é fornecer um contraexemplo ou dois, e é isso que eles tentam fazer nos capítulos seguintes. Para obter a história real e inconveniente sobre quais fatores contribuem para a escala e complexidade crescentes de uma sociedade, seria necessário ir além da busca por exemplos ou contraexemplos para uma determinada narrativa.
As “implicações políticas diretas” de acreditar que a agricultura leva à complexidade e à dominação claramente afetam as conclusões alcançadas por Graeber e Wengrow, e a linha que separa sua ciência de sua política só fica mais embaçada a partir daqui. Resumindo seu argumento de que as antigas teorias de evolução cultural “simplesmente não são verdadeiras”, eles escrevem:
Para dar apenas uma ideia de quão diferente é o quadro emergente: agora está claro que as sociedades humanas antes do surgimento da agricultura não se limitavam a pequenos bandos igualitários. Pelo contrário, o mundo dos caçadores-coletores, como existia antes da chegada da agricultura, era composto de experimentos sociais ousados, assemelhando-se a um desfile carnavalesco de formas políticas, muito mais do que às abstrações monótonas da teoria de estágios evolutivos. A agricultura, por sua vez, não significou o início da propriedade privada, nem marcou um passo irreversível em direção à desigualdade. Na verdade, muitas das primeiras comunidades agrícolas eram relativamente livres de hierarquias. E longe de fixar diferenças de classe, um número surpreendente das primeiras cidades do mundo eram organizadas de forma robustamente igualitária, sem necessidade de governantes autoritários, políticos guerreiros ambiciosos ou mesmo administradores mandões.
Antes de examinarmos as motivações políticas por trás dessas afirmações, devemos primeiro perguntar se alguém defende a posição de que a agricultura e a propriedade privada representam “um passo irreversível em direção à desigualdade”. Certamente não é o que Diamond faz: “Lembre-se novamente: as transições de bandos para Estados não eram nem ubíquas, nem irreversíveis, nem lineares”, ele escreve no início de O Mundo Até Ontem. Diamond até usa parte da mesma linguagem que Graeber e Wengrow, dizendo: “As sociedades tradicionais representam, na verdade, milhares de experimentos naturais sobre como construir uma sociedade humana”. O que existe na transição de bandos igualitários para sociedades hierárquicas maiores que Graeber e Wengrow acham tão questionável? Afinal, as primeiras sociedades complexas devem ter surgido a partir de sociedades mais simples, independentemente da variedade de fatores locais que possam ter existido.
A narrativa de que a agricultura leva a crenças sobre propriedade privada, que por sua vez leva à desigualdade, remonta a Jean-Jacques Rousseau, a quem se atribui popularmente a noção do “bom selvagem” (embora isso seja uma simplificação de suas visões). A narrativa que é rotineiramente oposta à de Rousseau é comumente atribuída a Thomas Hobbes, que caracterizou a vida em um estado de natureza como “solitária, pobre, sórdida, bruta e curta”.
Diamond serve como porta-voz moderno de Rousseau ao longo de O Despertar de Tudo, embora isso exija uma distorção séria de seu trabalho. Enquanto isso, “Podemos considerar Pinker como nosso hobbesiano moderno por excelência”, escrevem Graeber e Wengrow. Mas, para eles, os dois lados do debate sobre as sociedades primordiais são bem menos diferentes do que a maioria dos estudiosos assume. Seja a chegada da agricultura derrubando o primeiro dominó que, no final das contas, assegura a dominação dos muitos pelos poucos, ou o temperamento mal humorado e as circunstâncias restritas do caçador-coletor médio exigindo a intervenção de um Leviatã governamental para evitar conflitos, o resultado é o mesmo. A hierarquia se torna necessária e inevitável. E isso, como se constata, é a pior das “implicações políticas diretas” da sequência evolutiva tradicional.
Para Graeber e Wengrow, aceitar a formulação tradicional de que uma escala maior tende a coincidir com um poder mais concentrado significa que “o melhor que podemos esperar é ajustar o tamanho da bota que continuará pisando para sempre em nossos rostos”. Essa profunda antipatia pela desigualdade e pelo poder político concentrado combina bem com o forte viés antiocidental predominante na academia, especialmente nas áreas de humanidades e ciências sociais.
Steven Pinker desafiou diretamente esse viés em 2011, quando publicou Os Anjos Bons da Nossa Natureza: Por que a Violência Diminuiu, um livro que provocou a ira de muitos acadêmicos. Pinker argumentou que os ocidentais modernos vivem em uma paz sem precedentes e que a morte violenta era, em tempos passados, surpreendentemente comum.
Graeber e Wengrow começam sua crítica apontando que Pinker sobrepõe suas teorias sobre a diminuição da violência na compreensão desatualizada da evolução da sociedade, a qual eles estão trabalhando para substituir. Então assumem uma postura mais pessoal:
Uma vez que, assim como Hobbes, Pinker está preocupado com as origens do Estado, seu ponto-chave de transição não é o surgimento da agricultura, mas o surgimento das cidades. “Arqueólogos”, ele escreve, “nos dizem que os humanos viviam em um estado de anarquia até o surgimento da civilização, cerca de cinco mil anos atrás, quando agricultores sedentários começaram a se reunir em cidades e estados e desenvolveram os primeiros governos.” O que se segue é, francamente falando, um psicólogo moderno inventando as coisas conforme avança. Poderíamos esperar que um defensor apaixonado da ciência abordasse o tema de forma científica, por meio de uma ampla avaliação das evidências, mas esse é precisamente o tipo de abordagem em relação à pré-história humana que Pinker parece achar desinteressante. Em vez disso, ele se baseia em anedotas, imagens e descobertas individuais sensacionalistas, como a descoberta que ganhou manchetes em 1991, do “Homem de Gelo Ötzi, o Tirolês”.
No entanto, as páginas mencionadas em Anjos Bons deixam claro que Graeber e Wengrow são os únicos que estão inventando coisas. O livro está repleto de estatísticas de fontes científicas. Diante de uma das duas páginas que mencionam Ötzi, há um gráfico de barras baseado em múltiplas referências científicas que compara as taxas estimadas de violência em diferentes tipos de sociedade. Além disso, Pinker não está “preocupado com as origens do Estado” de forma alguma; ele está interessado nas diferentes taxas de violência entre Estados e outras formas de sociedade.
É revelador que Graeber e Wengrow expressem claramente seu desprezo por Pinker em uma nota de rodapé que critica seu apoio às teorias de Hobbes sobre as causas da violência. A avaliação de Pinker sobre as ideias de Hobbes é verdadeira? “Como veremos”, escrevem Graeber e Wengrow, “não chega nem perto disso”. Aqui eles nos direcionam para a seguinte nota:
Se um traço de impaciência pode ser detectado em nossa apresentação, a razão é esta: muitos autores contemporâneos parecem desfrutar de se imaginar como equivalentes modernos aos grandes filósofos sociais do Iluminismo, homens como Hobbes e Rousseau, encenando o mesmo grande diálogo, mas com um elenco mais preciso de personagens. Esse diálogo, por sua vez, é baseado em descobertas empíricas de cientistas sociais, incluindo arqueólogos e antropólogos como nós mesmos. No entanto, na verdade, a qualidade de suas generalizações empíricas está longe de ser melhor; de certa forma, é provavelmente pior. Em algum momento, você precisa tomar os brinquedos das crianças.
Em outras palavras, eles estão indignados que Pinker, um psicólogo especializado em linguagem e cognição, tenha tido a audácia de discutir sociedades pré-históricas e suas implicações para o mundo moderno. Embora prometam uma refutação decisiva a seguir — “Como veremos” — o que se segue tem pouca ou nenhuma relação com a tese de Pinker.
Antes de considerar quais ideias de Hobbes Pinker endossou, devemos observar que não é Pinker quem tenta se apropriar do manto de Hobbes. São Graeber e Wengrow que tentam sufocá-lo com ele, assim como fazem com Diamond ao agrupá-lo com Rousseau. Eles insistem que se fizermos uma reapreciação do argumento de Pinker, sem a seleção tendenciosa, “chegaríamos à conclusão exatamente oposta à de Hobbes (e Pinker)”, o que significa que “nossa espécie é uma espécie cuidadora e solidária, e simplesmente não havia necessidade de a vida ser sórdida, bruta ou curta”. Embora seja verdade que Pinker credite a Hobbes suas percepções sobre as causas da violência, Pinker também escreve:
Mas, de sua poltrona na Inglaterra do século XVII, Hobbes inevitavelmente cometeu muitos erros. Pessoas em sociedades não estatais cooperam amplamente com seus parentes e aliados, então a vida para eles está longe de ser “solitária” e apenas ocasionalmente é desagradável e brutal. Mesmo que se envolvam em ataques surpresa e batalhas letais a cada poucos anos, isso deixa muito tempo para buscar alimentos, fazer festas, cantar, contar histórias, criar filhos, cuidar dos doentes e dar conta de outras necessidades e prazeres da vida.
Curiosamente, Graeber e Wengrow citam evidências de povos antigos cuidando dos doentes e feridos para contestar as descobertas de Pinker sobre a violência pré-histórica. Dito de outra forma, eles estão processando Pinker agressivamente por crimes que ele não cometeu.
As coisas pioram quando Graeber e Wengrow discutem o uso feito por Pinker dos Ianomâmi do sul da Venezuela e norte do Brasil para ilustrar um cenário chamado de “armadilha hobbesiana” ou, mais tecnicamente, o “dilema da segurança”. Imagine um proprietário de casa com uma arma encontrando um invasor em sua casa, que também está visivelmente armado. Mesmo que o proprietário não queira matar ninguém por um possível ato de desespero, não há garantia de que o invasor não atirará primeiro. Da mesma forma, o invasor pode não estar disposto a matar pessoas que estão apenas defendendo suas casas, mas não há garantia de que o proprietário não atirará primeiro. Atirar primeiro se torna a opção mais racional para ambos. Como Pinker explica:
As pessoas em sociedades não estatais também invadem em busca de segurança. O dilema da segurança ou armadilha hobbesiana está muito presente em suas mentes, e elas podem formar alianças com aldeias próximas se acharem que são muito pequenas, ou lançar um ataque preventivo se temerem que uma aliança inimiga esteja se tornando muito grande. Um homem Ianomâmi na Amazônia disse a um antropólogo: “Estamos cansados de lutar. Não queremos mais matar. Mas os outros são traiçoeiros e não podemos confiar neles.”
É importante notar aqui que essa é a única menção da armadilha hobbesiana em relação aos Ianomâmi em todo o livro Anjos Bons; no entanto, Graeber e Wengrow insistem que Pinker seleciona essa sociedade para apoiar sua aplicação mais ampla de uma estrutura hobbesiana. Graeber e Wengrow distorcem tanto a definição do dilema da segurança quanto as explicações da violência dos Ianomâmi oferecidas por Pinker e Napoleon Chagnon, o antropólogo cujos escritos embasam sua teoria. Graeber e Wengrow escrevem que:
Os Ianomâmi são supostamente o exemplo do que Pinker chama de “armadilha hobbesiana”, em que indivíduos em sociedades tribais se veem presos em ciclos repetitivos de ataques e guerras, vivendo vidas tensas e precárias, sempre a apenas alguns passos da morte violenta na ponta de uma arma afiada ou no fim de uma luta vingativa.
Na verdade, Pinker trata a vingança como uma causa separada de violência, embora ele descreva ciclos de ataques e contra ataques como um resultado comum. Graeber e Wengrow aplicam o termo “armadilha hobbesiana” como uma descrição geral de uma sociedade violenta para reforçar sua caracterização de Pinker como um defensor das ideias de Hobbes. No entanto, como vimos, Pinker especificamente escreve que povos não-estatais nem sempre estão “a apenas alguns passos da morte violenta”.
O mais próximo que Graeber e Wengrow chegam de abordar as estatísticas que fundamentam o argumento de Pinker é ao observar que “em comparação com outros grupos ameríndios, as taxas de homicídio Ianomâmi são consideradas médias a baixas”. Isso é estranho, já que Graeber e Wengrow afirmaram anteriormente nessa seção que Pinker selecionou os Ianomâmi porque eles são particularmente violentos. E tanto Pinker quanto Chagnon apontam para as taxas relativamente mais altas de violência entre outros grupos para rebater tais acusações de seleção tendenciosa e exagero de outros críticos. Graeber e Wengrow continuam afirmando:
O argumento central de Chagnon era que homens adultos Ianomâmi adquirem vantagens culturais e reprodutivas ao matar outros homens adultos, e que esse feedback entre violência e aptidão biológica — se geralmente representativo das condições humanas primitivas — pode ter tido consequências evolutivas para nossa espécie como um todo.
Embora isso seja consistente com a visão atribuída a Chagnon por seus críticos, não está totalmente correto. O que Chagnon realmente argumenta no artigo citado por Graeber e Wengrow não é que os Ianomâmi nos mostram como os humanos podem ter evoluído para serem violentos, mas sim que a violência dos Ianomâmi era motivada por interesses individuais e familiares — o que os biólogos chamam de “aptidão inclusiva” — e não devido a um desejo por recursos valiosos de alguma outra aldeia. Em outras palavras, ironicamente, Chagnon estava questionando algumas das mesmas noções sobre o papel da agricultura e da propriedade privada que Graeber e Wengrow criticam Diamond e Pinker por aceitarem, embora esses dois também não endossem essas noções.
Anjos Bons irritou muitos cientistas sociais e comentaristas de esquerda porque reintroduziu e defendeu vigorosamente a ideia de progresso na história ocidental — uma das ideias centrais que Graeber e Wengrow esperam minar em O Despertar de Tudo. Especificamente, Pinker atribui as quedas mais dramáticas nas linhas de tendência que representam a violência a algumas das ideias e valores que ganharam destaque durante o Iluminismo. Sem se abalar com a reação contrária a Anjos Bons, Pinker intensificou sua posição em 2018 ao publicar O Novo Iluminismo: Em Defesa da Razão, da Ciência e do Humanismo, que está repleto de diversas outras linhas de tendência que sugerem que as pessoas vivem vidas mais longas, seguras, saudáveis e até mais felizes do que seus antepassados — tudo isso contrariando a visão sombria da vida nos estados modernos apresentada por Graeber e Wengrow.
Pinker atribui essas melhorias à implementação de ideias que floresceram na Europa dos séculos XVII e XVIII. O contra-ataque de Graeber e Wengrow começa questionando as supostas posições políticas de Pinker. Se Pinker quer se retratar como um centrado racional, eles perguntam:
Por que então insistir que todas as formas significativas de progresso humano antes do século XX podem ser atribuídas apenas a esse grupo de humanos que costumavam se referir a si mesmos como “a raça branca” (e agora, geralmente, se chamam por seu sinônimo mais aceito, “Civilização Ocidental”)?
A mudança do verdadeiro argumento de Pinker para o espantalho de Graeber e Wengrow implica em desviar o foco das ideias do Iluminismo para a raça das pessoas que as abraçaram pela primeira vez. No entanto, Pinker não atribui o progresso que relata à civilização ocidental, mas a uma corrente única que começou a percorrer essa civilização em determinado ponto de sua história.
A acusação de racismo feita por Graeber e Wengrow é um desfecho previsível, porém lamentável, do imperativo ativista de adotar automaticamente a perspectiva das supostas vítimas — o que provavelmente também os motivou a argumentar que o Iluminismo era em grande parte uma ideia dos povos indígenas. Esse mesmo imperativo impregna com veneno o tabu de sugerir que qualquer coisa proveniente do Ocidente possa de alguma forma ser melhor do que o que é oferecido em sociedades não-ocidentais, ou que, alternativamente, qualquer coisa proveniente de sociedades não-ocidentais possa de alguma forma ser pior. Graeber e Wengrow explicam o problema da seguinte forma:
Insistir, pelo contrário, que todas as coisas boas vêm apenas da Europa garante que o trabalho possa ser lido como um pedido de desculpas retroativo pelo genocídio, uma vez que (aparentemente, para Pinker) escravidão, estupro, assassinato em massa e a destruição de civilizações inteiras — infligidos ao resto do mundo pelas potências europeias — são apenas mais um exemplo de como os humanos sempre se comportaram; não foi, em nenhum sentido, algo incomum. O que realmente foi significativo, segundo esse argumento, é que isso possibilitou a disseminação do que ele considera noções “puramente” europeias de liberdade, igualdade perante a lei e direitos humanos para os sobreviventes.
Pinker não é apenas racista; ele também é um apologista de genocídio, escravidão, estupro e massacres. Isso seria ultrajante se fosse verdade, mas como deve ser óbvio, não é. Graeber e Wengrow confundem a celebração de Pinker dos valores específicos do Iluminismo que ele lista em seu subtítulo com toda a civilização ocidental. Dizer que algumas pessoas, que por acaso viviam na Europa, promoveram ideias que eventualmente levariam a uma vida melhor para seus descendentes e outros que abraçaram essas ideias, não desculpa as atrocidades cometidas por outras pessoas, que também por acaso viviam na Europa na época. Como Pinker escreve em O Novo Iluminismo:
Primeiramente, todas as ideias têm que surgir de algum lugar, e o local de origem não tem influência sobre o mérito delas. Embora muitas ideias do Iluminismo tenham sido articuladas em sua forma mais clara e influente na Europa e América do século XVIII, elas são fundamentadas na razão e na natureza humana, de modo que qualquer ser humano racional pode se envolver com elas. É por isso que ideais do Iluminismo têm sido articulados em civilizações não-ocidentais em muitos momentos da história.
Graeber e Wengrow afirmam que Pinker argumentou que as “noções ‘puramente’ europeias” são responsáveis por tornar o mundo um lugar melhor, quando, na verdade, Pinker argumentou explicitamente o contrário. (Será que essas aspas em torno da palavra “puramente” são para assustar?) E Pinker certamente nunca afirmou que todos os europeus abraçaram o Iluminismo com igual fervor. Ele escreve:
Mas minha reação principal à afirmação de que o Iluminismo é o ideal orientador do Ocidente é: Quem dera! O Iluminismo foi rapidamente seguido por um Contrailuminismo, e o Ocidente se dividiu desde então.
Graeber e Wengrow argumentam que a única maneira de comparar duas sociedades é dar às pessoas a oportunidade de experimentar ambas e deixá-las escolher em qual prefeririam viver. Eles continuam garantindo aos leitores que “dados empíricos estão disponíveis aqui e sugerem que algo está muito errado com as conclusões de Pinker.” Eis o que eles querem dizer:
A história colonial da América do Norte e do Sul está repleta de relatos de colonizadores, capturados ou adotados por sociedades indígenas, que tiveram a escolha de onde desejavam ficar e quase invariavelmente optaram por permanecer com indígenas. Isso se aplicava até mesmo às crianças. Confrontados novamente com seus pais biológicos, a maioria voltaria correndo para sua família adotiva em busca de proteção. Por outro lado, os ameríndios incorporados à sociedade europeia por meio de adoção ou casamento, incluindo aqueles que […] desfrutavam de considerável riqueza e educação, quase invariavelmente faziam justamente o oposto: ou escapavam na primeira oportunidade ou — depois de tentarem se adaptar da melhor forma possível e falharem no final — retornavam à sociedade indígena para viver seus últimos dias.
Se houvesse evidências empíricas que apoiassem a afirmação de que tanto os colonizadores europeus quanto os povos indígenas “quase invariavelmente” preferem viver em sociedades indígenas, isso seria sugestivo. Claro, as pessoas podem escolher viver em uma sociedade com expectativa de vida mais curta e outras desvantagens por muitas razões. Por exemplo, podem ter se apaixonado. Ou podem estar sendo procuradas por um crime em sua terra natal. Ou podem estar mais familiarizadas com aquele ambiente e terem medo da mudança. Comparar as sociedades, as tendências das pessoas de ficar ou partir, elogiar ou criticar, certamente revela dados importantes.
Mas a fonte de Graeber e Wengrow é uma tese de 1977 de Joseph Norman Heard, que oferece uma análise qualitativa, não quantitativa. E há tantas descrições de cativos retornando à sua sociedade de origem quanto de pessoas assimiladas à sociedade de seus captores. Embora Heard cite alguns estudiosos que fazem afirmações superficialmente semelhantes à sugestão de Graeber e Wengrow de que colonizadores e nativos preferem culturas indígenas, sua própria avaliação das evidências é quase o oposto da interpretação de Graeber e Wengrow. Heard resume uma seção examinando os fatores que determinam se um cativo se torna assimilado da seguinte forma:
Concluiu-se que o ambiente cultural original do cativo não era determinante. Pessoas de todas as raças e origens culturais reagiram à captura de maneira muito semelhante. As características culturais dos captores também tiveram pouca influência na assimilação.
Segundo Heard, “concluiu-se que o fator mais determinante para a assimilação era a idade no momento da captura”. Heard relata que crianças capturadas quase sempre se tornavam assimiladas — lembre-se da afirmação de Graeber e Wengrow, “isso também se aplica a crianças” — enquanto indivíduos capturados após a puberdade geralmente queriam retornar à sua sociedade de origem. Isso se aplicava tanto a colonizadoras quanto a indígenas. Assim, o argumento de Graeber e Wengrow contra o caso de progresso de Pinker distorce severamente sua posição real e deturpa uma tese de doutorado de mais de 40 anos para minar uma alegação de superioridade ocidental que Pinker nunca fez.
Quando o historiador Daniel Immerwahr apontou em uma crítica para o site The Nation que a caracterização das descobertas de Heard em O Despertar de Tudo é “totalmente falsa”, Wengrow recorreu ao Twitter para tentar salvar o argumento destacando linhas individuais. Apontando apenas para os números citados na tese de Heard, Wengrow argumentou que Heard não havia considerado uma amostra grande o suficiente. No entanto, o uso desses números revela que pelo menos 28% dos cativos não conseguiram se assimilar totalmente; o número real provavelmente está mais próximo de 91%. Wengrow concluiu sua discussão lembrando seus seguidores do que está em jogo: “Em contexto, nosso objetivo aqui era refutar a sugestão de Pinker de que qualquer pessoa sensata preferiria a civilização ocidental à vida em sociedades ‘tribais’ (como ele chama)”. Nenhuma citação é fornecida para apontar os leitores para onde Pinker faz essa sugestão.
O que torna toda essa disputa e todas essas preocupações extracientíficas tão frustrante é que Graeber e Wengrow tiveram uma oportunidade maravilhosa de escrever sobre uma ciência fascinante e em rápido crescimento. Sua discussão sobre “áreas culturais” e “cismogênese” — em que uma sociedade se define conscientemente, junto de seus valores, em oposição a outra sociedade vizinha — é cativante e persuasiva. No entanto, seus esforços são prejudicados por ataques desnecessários ao caráter de outros pesquisadores, além de argumentos baseados em falácias do espantalho, todos os quais dão peso à impressão de que os Graeber e Wengrow estão mais preocupados com sua agenda política do que com a ciência.
Embora seja verdade que todo estudioso que escreve um livro tenha preocupações políticas, incluindo Diamond e Pinker, a questão importante é se essas preocupações têm precedência sobre a busca pela verdade. Aqueles cuja prioridade é encontrar e compartilhar a verdade relatarão evidências que contradizem sua narrativa política preferida de maneira franca e precisa. Por outro lado, aqueles cuja prioridade é impulsionar uma narrativa política negligenciarão ou distorcerão fontes que a desafiem. E isso priva a comunidade acadêmica e leiga do recurso intelectual mais precioso: o debate honesto.

Idealizador da E&S, é formado em Ciências Biológicas (IB/UFRJ), bolsista PIBIC em Taxonomia e Sistemática (LabEnt/UFRJ), filiado ao grupo de pesquisa Evolução, Moralidade e Política (CNPq/UFRRJ) e apaixonado pela abrangência da teoria evolutiva.