Muitas feministas e progressistas argumentam que o Ocidente é atormentado por uma misoginia generalizada. Na verdade, essa afirmação é feita com tanta frequência e é tão raramente contestada que se tornou parte do catecismo de vitimização da esquerda, que a repete mecanicamente e sem pensar duas vezes. A única questão real parece se limitar ao quão poderosa e perniciosa a misoginia é. Pelo fato de os homens terem resultados de vida piores em muitos domínios, no entanto, os dados do mundo real sugerem um cenário diferente e complicado. Por exemplo, em comparação às mulheres, homens têm mais chances de irem presos, de serem fuzilados pela polícia, de serem vítimas de crimes violentos, de não terem onde morar, de cometerem suicídio e morrerem no trabalho ou em conflitos armados. Além disso, homens têm uma expectativa de vida mais curta e são menos propensos a obter um diploma de ensino superior. Embora esses e outros dados possam ser reconciliados com a hipótese da misoginia generalizada, eles deveriam, pelo menos, provocar uma reflexão àqueles que têm uma mente mais aberta. Os melhores dados das ciências sociais contemporâneas contam uma história bastante diferente e sugerem que a própria persistência da narrativa da misoginia generalizada é em si uma manifestação do oposto: a sociedade é amplamente tendenciosa a favor das mulheres.

O mundo, é claro, é um lugar confuso e as disparidades entre homens e mulheres podem ter muitas causas. É por isso que a ciência social cuidadosamente controlada é útil para examinar a extensão, a direção e a natureza dos preconceitos sexuais. Embora os detalhes possam complicar as coisas, a ideia básica por trás da maioria dos estudos sobre preconceito é bastante clara: pesquisadores podem apresentar aos participantes de um experimento informações idênticas que têm alguma relação com as habilidades de homens ou mulheres, alterando a informação de autoria no processo. Por exemplo, eles podem pedir a dois grupos de pessoas que avaliem artigos idênticos, dizendo a um grupo que o artigo foi escrito por um homem e ao outro grupo que o mesmo artigo foi escrito por uma mulher. Se os participantes que acreditavam que o artigo foi escrito por um homem o avaliassem como mais convincente, mais inteligente, mais perspicaz do que os participantes que acreditavam que foi escrito por uma mulher, os psicólogos considerariam isso um viés a favor dos homens. Da mesma forma, se alguém pedisse a dois grupos de pessoas que avaliassem estudos científicos idênticos que descobriram que tanto homens quanto mulheres tiveram melhor desempenho em uma medida de liderança, e os participantes que leram que os homens superaram as mulheres considerassem o estudo de qualidade superior do que os participantes que leram que as mulheres superaram homens, os psicólogos considerariam isso um preconceito favorável aos homens (as pessoas comuns também consideram esses padrões preconceituosos).

Contrariando as expectativas da hipótese da misoginia generalizada, descobertas recentes em psicologia sugerem que, em uma variedade de tópicos, amostras e equipes de pesquisa diferentes, tais preconceitos frequentemente favorecem não os homens, mas as mulheres. Por exemplo, em um artigo recém publicado no British Journal of Psychology, Steve Stewart-Williams e sua equipe descobriram que as pessoas respondem favoravelmente às pesquisas sobre diferenças sexuais se as diferenças favorecerem mulheres. Em dois estudos, os participantes foram solicitados a ler um artigo de ciência popular que foi experimentalmente manipulado para sugerir que homens ou mulheres têm uma qualidade mais desejável (por exemplo, homens/mulheres são melhores em desenhar ou homens/mulheres mentem com menos frequência). Os participantes avaliaram a pesquisa que favorecia mulheres de maneira mais simpática do que avaliaram a pesquisa que favorecia homens. Especificamente, os participantes acharam a pesquisa com viés de favorecimento às mulheres mais importante, mais plausível e mais bem conduzida, ao passo que acharam a pesquisa com viés de favorecimento aos homens mais ofensiva, mais prejudicial, mais perturbadora e mais inerentemente sexista. Esse viés pró-mulher foi observado entre os participantes do sexo masculino e feminino. No estudo dois, os pesquisadores replicaram os resultados em uma amostra do sudeste asiático.

No geral (overall; primeiras barras no eixo horizontal), artigos favorecendo homens foram rotulados mais negativamente, enquanto que artigos favorecendo mulheres foram rotulados mais positivamente. Azul: diferença sexual favorecendo o sexo masculino; laranja: diferença sexual favorecendo o sexo feminino. N. T.

Em algumas de nossas próprias pesquisas, encontramos um padrão semelhante especificamente em relação a um traço de inteligência desejado socialmente. Em dois estudos, os participantes leram sobre um estudo científico (fictício) que identificou um gene associado à inteligência superior que pretendia explicar por que (1) os homens obtiveram pontuação mais alta do que mulheres nos testes de inteligência, (2) as mulheres obtiveram pontuação mais alta do que os homens nos testes de inteligência, ou (3) homens e mulheres obtiveram aproximadamente a mesma pontuação em testes de inteligência. Os participantes avaliaram como confiáveis somente (2) e (3), deixando (1) como menos confiável. Em um estudo relacionado, os participantes leram sobre um exame de vestibular que era extremamente preciso em prever o desempenho acadêmico na faculdade. Eles foram informados de que ou os homens tendem a superar as mulheres ou que as mulheres tendem a superar os homens no exame. Os participantes endossaram o uso do exame mais quando se dizia que as mulheres superavam os homens do que quando se dizia que os homens superavam as mulheres. Essas descobertas sugerem que as pessoas aceitam mais prontamente a noção de que as mulheres podem ser mais inteligentes do que os homens do que o contrário.

Outros pesquisadores observaram um padrão similar entre acadêmicos de psicologia. Em 2017, os psicólogos evolucionistas William von Hippel e David Buss enviaram um questionário para uma amostra de psicólogos perguntando suas crenças sobre uma variedade de alegações e descobertas vindas da teoria evolutiva. Esses psicólogos eram mais propensos a endossar uma diferença sexual que favorecesse as mulheres do que uma que favorecesse os homens. Especificamente, eles eram mais propensos a aceitar que o sexo feminino poderia ter evoluído para ser mais talentoso verbalmente do que os homens poderiam ter evoluído para serem mais talentosos matematicamente. Embora essas diferenças sexuais não sejam perfeitamente simétricas (uma diz respeito à habilidade verbal e a outra à habilidade matemática), há poucos motivos para acreditar que uma explicação evolutiva para uma diferença sexual seja mais plausível do que outra. Como os não acadêmicos, os próprios cientistas podem ter preferências por informações pró-mulheres em vez de informações pró-homens.

Também descobrimos que as pessoas têm mais desejo de censurar a ciência que desfavoreça mulheres. Neste estudo, os participantes foram solicitados a ler uma série de passagens de livros e a decidir se o texto deveria ser censurado (por exemplo, se deveria ser retirado da biblioteca, se um professor não deveria ser autorizado a exigi-lo para a aula). Algumas passagens argumentavam que homens eram melhores líderes do que mulheres, enquanto que outras argumentavam que mulheres eram melhores líderes. Os resultados mostraram que as pessoas queriam censurar o livro mais quando ele argumentava que os homens eram melhores líderes do que quando argumentava o contrário.

Ironicamente, essas preferências pró-mulheres podem explicar por que as narrativas tradicionais focam tão assiduamente na possibilidade de preconceitos anti-femininos: a sociedade se preocupa mais com o bem estar das mulheres do que com o dos homens e, portanto, é menos tolerante com as disparidades que as desfavorecem. Uma série de estudos liderados por Katharina Block descobriram que as pessoas se preocupam mais com a subrepresentação feminina nas carreiras do que com a subrepresentação masculina. Em um desses estudos, por exemplo, os participantes foram informados de que uma determinada carreira era dominada por homens ou mulheres. Os participantes foram então questionados se políticas deveriam ser implementadas para encorajar qualquer grupo que estivesse subrepresentado a entrar nessa carreira e se esforços deveriam ser feitos para recrutar ativamente o grupo subrepresentado. Os participantes eram mais propensos a apoiar essa ação social quando as mulheres estavam subrepresentadas do que quando os homens estavam.

Além disso, quando se dizia que a carreira era acompanhada por um alto salário, as pessoas estavam mais propensas a dizer que as normas proibitivas estavam impedindo as mulheres de entrar na carreira dominada por homens do que as normas proibitivas estavam impedindo os homens de entrar nos campos dominados pelas mulheres. Portanto, as pessoas são mais propensas a acreditar que as barreiras externas explicam a subrepresentação mais para o caso das mulheres do que para o dos homens. Essas descobertas sugerem que, quando existem disparidades no mundo real entre homens e mulheres, é mais provável que as pessoas se importem e tentem adotar um comportamento corretivo quando as mulheres estão em desvantagem.

Uma explicação para esses preconceitos pró-femininos é que os humanos podem ter evoluído uma atitude protetora geral em relação às mulheres. Vários achados nas últimas décadas mostraram que as pessoas têm mais simpatia pelo sofrimento feminino do que pelo sofrimento masculino. Por exemplo, as pessoas são menos dispostas a prejudicar uma mulher do que um homem, as mulheres recebem mais ajuda do que os homens, aqueles que ferem as mulheres são punidos mais severamente do que aqueles que ferem os homens, e as mulheres são punidas menos severamente do que os homens pelos mesmos crimes.

Essas descobertas contradizem o conceito de “elepatia” apresentado no livro de sucesso Down Girl: The Logic of Misogyny da filósofa Kate Manne. Anedotas podem criar uma ilusão de simpatia excessiva pelos homens, mas análises mais sistemáticas sugerem o oposto: as pessoas são muito mais simpáticas às mulheres. O sucesso do livro de Manne pode de fato ser uma manifestação dessas mesmas simpatias, porque as pessoas estão mais alarmadas e perturbadas com a possibilidade de um preconceito contra as mulheres do que contra os homens.

As preocupações com o bem estar das mulheres são tão fortes que os pesquisadores muitas vezes enquadram as preferências e preconceitos pró-mulheres como prejudiciais às mulheres. Por exemplo, em uma série de estudos liderados por Lily Jampol, os pesquisadores pediram aos participantes que avaliassem artigos e dessem um feedback ao autor. Os participantes que descobriram que o autor era do sexo feminino eram mais propensos a elevar suas avaliações de desempenho do que os participantes que foram informados que o autor era do sexo masculino. O estudo foi intitulado “The Dark Side of White Lies in the Workplace: Feedback to Women Is Upwardly Distorted”, destacando as consequências potencialmente prejudiciais de fornecer feedback suavizado ou distorcido para as mulheres.

Claro, é possível que o feedback excessivamente positivo prejudique as mulheres no longo prazo, mas também pode ajudá-las, por exemplo, se aumentar sua confiança ou se os avaliadores internalizarem o feedback elogioso. Além disso, é difícil imaginar que resultados semelhantes, mas opostos, seriam enquadrados como potencialmente prejudiciais para os homens. Parece que a pesquisa é frequentemente enquadrada como “se os preconceitos favorecem os homens, então isso é ruim para as mulheres; se preconceitos favorecem as mulheres, isso também é ruim para as mulheres.” Por exemplo, o efeito mulheres-são-maravilhosas, que é a tendência de as pessoas verem as mulheres de maneira mais favorável do que os homens, é frequentemente considerado uma forma de sexismo benevolente contra as mulheres. Aguardamos ansiosamente um artigo que reivindica as preferências por homens como professores ou líderes ilustra uma espécie de sexismo benevolente contra os homens.

Vários achados demonstram preconceitos, atitudes e tratamentos que favorecem mulheres. Embora não busque esgotar o assunto, a lista abaixo resume os resultados de vários estudos que demonstram isso.

Como observado acima, uma característica importante de muitos desses estudos (embora não de todos eles) é que eles são experimentais — eles designam participantes aleatoriamente para avaliar informações com alguma influência nos valores sociais de homens e/ou mulheres. Muitos estudiosos que argumentam que o sexismo contra mulheres ainda é um grande problema nas sociedades ocidentais modernas apontam para disparidades de gênero que prejudicam mulheres enquanto ignoram as disparidades que prejudicam homens. Por exemplo, eles apontam que as mulheres estão subrepresentadas em carreiras de alta remuneração em STEM e em cargos de liderança, e que mulheres que trabalham em tempo integral ganham menos do que os homens que trabalham em tempo integral. No entanto, a existência de tais diferenças nos diz pouco sobre as suas causas. Assim como a correlação não é igual a causalidade, disparidade também não é igual a discriminação. E, de fato, a alegação de que as mulheres estão subrepresentadas em empregos das áreas STEM ser devido aos candidatos masculinos mais qualificados serem preferidos tendo mulheres igualmente qualificadas não parece tão plausível. O trabalho experimental sugere que o corpo docente nas áreas STEM demonstra uma preferência por candidatos do sexo feminino em vez de candidatos do sexo masculino independente de ambos serem igualmente qualificados. Outras explicações, como diferenças de personalidade e interesses vocacionais, portanto, parecem muito mais promissoras.

Isso não significa, é claro, que não existam preconceitos contra as mulheres. Por muito tempo, as mulheres no Ocidente foram tratadas como propriedade e consideradas emocionais, irracionais e incapazes de contribuir significativamente para a sociedade. Não é inimaginável que alguns desses preconceitos ainda persistam e moldem a sociedade. Por exemplo, parece haver uma espécie de preconceito de gênio contra as mulheres, de modo que as pessoas associam mais prontamente os homens com níveis extremamente altos de inteligência do que as mulheres. E embora haja razão para acreditar que os homens possam ser mais bem representados nos extremos mais elevados (e mais baixos) da inteligência, esse estereótipo poderia explicar parte da subrepresentação das mulheres nos extremos mais elevados de realização. No entanto, em geral, os resultados apresentados aqui tornam difícil a afirmação de que o Ocidente esteja permeado com misoginia.

A visão dominante é que vivemos em um patriarcado sexista que é persistentemente injusto com as mulheres e privilegia os homens de quase todas as maneiras. Qualquer reclamação em contrário é tratada como reclamação vinda de conservadores ignorantes ou de masculinistas excêntricos. Uma pesquisa no Google Scholar por misoginia, o ódio às mulheres, rende 114.000 resultados, enquanto uma pesquisa por misandria, o ódio aos homens, rende apenas 2.340. Suspeitamos que essa diferença no interesse pela misoginia em relação à misandria represente não a prevalência relativa de cada tipo de preconceito, mas sim uma preocupação maior com o bem estar das mulheres do que dos homens. Todos os argumentos, anedotas e dados oferecidos em direção a uma narrativa de que vivemos em uma sociedade implacavelmente misógina, na verdade, podem ser evidências exatamente do oposto.

Tradução do texto The Myth of Pervasive Misogyny, da autoria dos cientistas sociais Cory Clark e Bo Winegard e publicado em Quillette. Foto por Alyssa Olaivar em Unsplash.

Matheus Coelho
Matheus Coelho

Idealizador da E&S, é graduando em Ciências Biológicas (IB-UFRJ) e apaixonado pela relação entre comportamento e evolução.

Gostou do conteúdo?

Nossa organização depende do retorno do público. Sua ajuda, portanto, seria muito bem vinda. Para colaborar, clique no coração!